sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Sermão ou Bom ladrão


Escreve-me um ex-aluno, que há anos não vejo e do qual não tenho notícias: 
"Prof tu foi meu prof (...) e eu sempre gostava das tuas aulas... Me formei BACHAREL em DIREITO em 2010 e ainda estou batalhando pela OAB. Estava firme de que o STJ ia declarar a inconstitucionalidade desse exame que é uma verdadeira forma de manter bons advogados fora do mercado de trabalho, reservando os clientes para os mais velhos. 

Pensei bastante e conversei com meu pai que me sugeriu procurar outras formas de usar meu título de BACHAREL em DIREITO e sempre tive vontade de ser ou juiz ou professor ou promotor... Por isso te escrevo, para saber como é que eu faço para ser professor na faculdade. Vou tentar os concursos pra juiz também mas por enquanto isso quero ser professor e para isso não preciso de OAB nem de concursos de magistratura, já que sou BACHAREL em DIREITO. 

Quais as dicas que tu dá pra quem quer ser professor de DIREITO? Eu sempre gostei de estudar e de ler e de falar... 

Obrigado professor.

Abs"
Isso me lembrou de uma historieta que se conta do Ruy Barbosa. 
Um aluno questionou como faria para dominar o vernáculo com a maestria que ele tinha. A Águia de Haia mandou-lhe ler a obra do Pe. Vieira. O estudante, ainda não satisfeito, disse que já havia lido o Pe. Vieira e gostaria de saber como o mestre Ruy havia feito para dominar a inculta e bela. Ruy Barbosa, impassível, disse: faça como eu fiz, continue a ler o Pe. Vieira. O estudante, nem um pouco satisfeito com a resposta, interpelou o Mestre: "Prof. Ruy Barbosa, o senhor não está entendendo: Eu quero saber como faço para usar o português como o senhor". Ruy Barbosa calmamente responde: "Nunca pare de ler o Pe. Vieira".

Dicas, meu caro ex-aluno? Sinceramente não sei o "caminho das pedras". 
Mas sugiro continuar estudando. E depois disso, continuar estudando. E nunca parar de estudar. E quando sobrar um tempo, leia os Sermões do Pe. Vieira. Ser-te-ão de enorme valia. E, se no meio disso tudo tu ainda tiver um tempinho, passa na prova da OAB. 

Isso me levou a pensar sobre a imagem do professor universitário nas faculdades de direito que formam esses BACHARÉIS em DIREITO. Sou o único?! 


Update: Meu ídolo Bruno Aleixo avisou-me que, também ele, é apreciador do estilo do Pe. Vieira.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Continuarei.

Recebi o seguinte comentário em um post bastante antigo: 
Please tell me that youre going to keep this up! Its so great and so important. I cant wait to read far more from you. I just feel like you know so substantially and know how to make people listen to what you've got to say. This weblog is just also cool to be missed. Excellent stuff, really. Please, PLEASE keep it up!
O blogspot me deu a opção de marcar como spam. Tá louco, blogspot? 
Esse é uma opinião séria, real e que leva em conta tudo que eu tenho pra dizer. 

Obrigado, comentarista. Thank you very much. 



domingo, 9 de outubro de 2011

Flaschen Peter



Há um velho mendigo aqui em Heidelberg conhecido por Flaschen Peter (Pedro Garrafa, numa tradução livre). Ele frequenta todas as palestras  gratuitas oferecidas pela faculdade de direito, de filosofia e de história (e não são poucas).
Já o encontrei em muitas, e ele sempre lá, fedendo, com suas roupas sujas e rasgadas.
Dias atrás resolvi perguntar para um conhecido se ele sabia quem era aquele sujeito e porque ele frequentava as palestras se ele não entendia nada.

Ele me olhou e com um riso cínico respondeu: “Pedrinho, as aparências enganam...”. E saiu caminhando. Depois me mandou um email explicando. Sem saco pra traduzir o email, faço um pequeno resumo: esse sujeito, o Flaschen Peter, era um aluno brilhante da faculdade de história e filosofia e se formou com todas as láureas possíveis. Depois de um tempo, recebeu um convite para fazer doutorado com um respeitado professor de história das ideias e história da filosofia. Ele se recusou e disse que preferia manter a sua liberdade.

Hoje ele vive em total liberdade acadêmica, lendo o que quer (não poucas vezes o encontrei na biblioteca central), frequentando as palestras que tem interesse, recolhendo garrafas para poder comer, dormindo em bancos de praça e tomando banho em um chafariz na frente do Deutsche Bank.

Nunca o vi fazendo perguntas ou anotações, mas reza a lenda que há uns anos ele humilhou um professor que deu dados errados sobre a história da Alemanha no baixo medievo. Vai saber... 

Cansei. Tô cansadinho.

Aí me escreve um amigo:


“Pedrinho, por que tu não escreve mais? Cansou? Teus dois leitores sentem a tua falta...

Respondi a ele então, e respondo aqui agora: cansei. Há tempos que venho pensando nisso.
Estou cansado. Passo os dias fazendo a mesma coisa há dois anos. Venho para o mesmo lugar todo santo dia há nove meses.
“As coisas são lentas” alertava-me um professor antes de eu vir pra cá. Mas tão lentas assim, porra?! Não dá pra acelerar só um pouquinho?
Deixo a construção de blogs para as pessoas que sabem escrever; ou aquelas que só querem derramar no papel a sua ignorância; ou, melhor, aquelas que realmente acreditam que têm algo a dizer.
Eu não tenho nada a dizer. Só que cansei. 



quarta-feira, 16 de março de 2011

Entre autonomia, solidão, liberdade e individualismo



Lisbon Revisited

Álvaro de Campos (F.P.)
1923


Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.



Não me venham com conclusões! 
A única conclusão é morrer.


Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!)—
Das ciências, das artes, da civilização moderna!



Que mal fiz eu aos deuses todos?


Se têm a verdade, guardem-na!


Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?



Não me macem, por amor de Deus!


Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?



Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!



Ó céu azul -o mesmo da minha infância
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ô mágoa revisitada,
Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.



Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!




Estarei transferindo para estar podendo melhor lhe atender...

Conversa verídica agora há pouco:

Telefone toca.

Pedrinho: Alô.
Voz: Olá, Sr. Pedrinho, o senhor teria alguns minutos do seu tempo?
P.: Sim, claro. Sobre o que seria?
V.: Nosso banco de dados nos informa que o senhor costuma fazer ligações para o exterior.
P.: Sim. Para o Brasil.
V.: O senhor faz as suas ligações internacionais primariamente para o Brasil. Correto?
P.: Sim. Corretíssimo. Para o Brasil. E então, qual o motivo desta ligação?
V.: Eu ligo para lhe oferecer um novo pacote de serviços da o2 [empresa de telefone], pelo qual as suas ligações para o exterior custarão apenas 19 centavos por minuto. O senhor teria interesse?
P.: Claro. Teria bastante interesse.
V.: Ótimo. O senhor terá direito a cinco números cadastrados, para os quais o senhor ligará por 19 centavos o minuto, num custo máximo de 2,99 euros. Caso a ligação passe deste valor, o resto não será cobrado.
P. (já imaginando fazer ligações intermináveis): Ótimo. Gostaria de cadastrar 3 telefones fixos e 2 celulares, todos com prefixo 054, no Brasil.
V.: Brasil? O senhor disse Brasil, sr. Pedrinho?
P.: Sim. Brasil. O senhor sabe que minhas ligações internacionais são primariamente para o Brasil, para usar as suas próprias palavras.
V.: Um minuto, por favor.

Passam-se alguns segundos e o sujeito retorna.

V.: Caro sr. Pedrinho, infelizmente o Brasil ainda não está na lista de países disponíveis para a promoção. O sr. ainda teria interesse em cadastrar os números?
P.: Mas os números são do Brasil. Teria alguma vantagem em cadastra-los?
V.: Nao que eu consiga imaginar.
P.: Então, porque o sr. me ligou?
V.: Para lhe oferecer os benefícios da promoção, já que o sr. costuma ligar para o Brasil e isto é considerado, como o senhor sabe, uma ligação internacional. 
P.: Sim, ligo para o exterior. Para o Brasil, como o seu sistema pode lhe informar. Mas se a promoção não se aplica ao Brasil e consequentemente nao se aplica a mim, por que estamos tendo essa conversa?
V.: Em nome da o2, desejamos um confortável resto de quarta-feira. Ligaremos assim que o Brasil for incluído na lista de países.
P.: Por favor, não me liguem nunca mais.
V.: O sr. quer cancelar a sua linha?
P.: Não. Obviamente que não. Em momento algum eu disse isso. Eu não quero mais ser importunado por ligações sem sentido como essa.
V.: Desculpe, sr. Pedrinho, mas nós ligamos para lhe oferecer um benefício. Essa ligacao tem, obviamente, um sentido e uma boa intenção. 
P.: Que nao se aplica a mim. Ou?
V.: Hmmm. Hmmm... O sistema deve ter se equivocado. O sr. gostaria de fazer uma reclamação?
P.: Sim.
V.: Isso levará cerca de 10 minutos.
P.: Então não. Vielen Dank.
V.: Um bom resto de dia para o senhor.

Desligo. A única coisa que consegui pensar foi naquele policial que entrava nos sketchs do Monty Python quando a coisa começa a ficar non-sense demais.


O Mundo é um Moinho

A esperança, já disse aquele filósofo de bigode avantajado, é o pior dos males. Quando nos damos conta, a vida nos traz as piores surpresas. No meio das ruins há, obviamente, algumas boas. Que serão novamente seguidas de ruins. Esse mundo, tão mesquinho, reduz nossas ilusões a pó. 
O que importa, diriam alguns, é não desanimar e seguir sempre em frente.
O vídeo abaixo é um extrato de um documentário sobre o sambista Cartola e a relação conflituosa com o pai. Depois de 40 anos (sim!) eles se reencontram. O filho, ainda um pouco envergonhado, pergunta ao pai qual o samba que ele gostaria de ouvir. 
O pai, depois de quatro décadas, em uma primeira análise escolhe provavelmente o samba menos apropriado para o momento: 



Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés



Quarenta anos depois e o pai pede ao filho que cante: 
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó
(...)
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés



Pensando melhor, não existe samba mais apropriado. Fico cá imaginando a dor de um pai depois de perceber que passou boa parte da vida longe do filho: o mundo, esse moinho, triturou mesmo seus sonhos.
Para o Cartola, que, depois de se consagrar como sambista da Mangueira nas décadas de 20 e 30, virou lavador de carros e só voltou ao samba graças ao Stanislaw Ponte Preta, deve ter percebido, ali ao lado do pai cantando aquele samba, que estava à beira do abismo, abismo que cavou com os próprios pés.

A única conclusão que nos resta é concordar com o aquele maluco  e balançar a cabeça repetindo que a esperança, no homem, na vida, na humanidade, no futuro, ou em qualquer outra coisa, é, de fato, o pior dos males. A esperança em si mesmo, bem, essa pode ser redentora se de antemão soubermos que vamos fracassar ou ridícula se realmente acreditarmos que vamos "fazer a diferença"... 

terça-feira, 8 de março de 2011

Obrigado pelas Mortes

Ainda sobre o post anterior, interessante saber que a Suprema Corte americana decidiu há apenas alguns dias o caso da minúscula e irrelevante Igreja de Westboro.

Para os que não sabem, faco um pequeno resumo: trata-se de uma irrelevantíssima igreja americana, fundada e mantida por um fundamentalista que mantém um site chamado (já traduzido) deusodeiabichas.com. A palavra utilizada é “fags”, que eu traduzi por bichas; pode ser veado também. O que  importa é que se trata de um termo pejorativo para designar os homossexuais masculinos.

O site da Igreja é esse mesmo. Não satisfeito com esse truque, o pastor e seus pouquíssimos fiéis decidiram apelar para uma tática um tanto mais espalhafatosa, para dizer o mínimo. Começaram a fazer protestos e demonstrações em funerais. Isso mesmo, iam aos funerais com placas, bandeiras e megafones, dizendo que as mortes eram o resultado de uma praga divina que assomava os Estado Unidos em função dos inúmeros pecados, em especial a tolerância com a homossexualidade. Enfim, coisa de maluco fundamentalista.

Eles forma processados pela família de um militar americano que havia sido morto no Iraque e em cujo funeral o pastor e os fiéias foram fazer a sua pregação absurda. O processo foi julgado procedente para a família do militar morto e a Igreja foi condenada a pagar uma indenização milionária.

O processo foi subindo as instâncias até chegar na Supreme Court por uma razao muito sensível do direito constitucional americano: a liberdade de expressao da primeira emenda, o que eles chama de freedom of speech.

(Antes que se passe para a decisao da Suprema Corte, é interessante notar que um dos últimos protestos feitos pela Igreja foi no funeral de uma menina de 9 anos (!!!) que havia sido morta a tiros, com placas com dizeres de que ela estaria melhor morta do que vivendo num país como os Estados Unidos que permitia todos aqueles pecados. Ponto. Parágrafo.)

A Suprema Corte, por oito votos a um, decidiu que, sim, os protestos e manifestações da Igreja estavam protegidos pela liberdade de expressao e que a Igreja não poderia ser condenada a pagar indenizações em função da exteriorizacao de uma opiniao.

Uma das partes mais interessantes é o parágrafo final do Chief Justice (equivalente ao nosso Ministro do STF) Roberts, que foi o relator do caso:

Speech is powerful. It can stir people to action, move them to tears of both joy and sorrow, and—as it did here— inflict great pain. On the facts before us, we cannot react to that pain by punishing the speaker. As a Nation we have chosen a different course—to protect even hurtful speech on public issues to ensure that we do not stifle public debate.
(Tradução Livre: O discurso é poderoso. Ele pode levar as pessoas a agir, causar lágrimas tanto de alegria quanto de tristeza e - como é o caso - causar muita dor. Nos fatos que temos presentes, nao podemos reagir à dor punindo o emissor do discurso. Como nação nós decidimos um caminho diferente - o de proteger até mesmo o discurso sobre questões públicas que tragam dor, para garantir que não se sufoque o debate público.) 

Obviamente que o caso é complexo, conflituoso e polêmico. Alguns fundamentalistas religiosos desrespeitam claramente a dor das outras pessoas para defender uma bandeira esdrúxula. Mas, veja-se bem, isso não estava em jogo para o Tribunal. A discussão toda era saber se a liberdade de expressão valia também para casos extremos como os descritos nos processos contra a Igreja.

O que eu penso disso tudo? Ainda não sei... Sou um árduo defensor da liberdade, como todos sabem e acho mesmo que a expressão deve ser livre, independentemente das sensibilidades feridas (isso valendo muito especialmente para políticos e personalidades públicas). Mesmo assim, tendo a achar que “atacar” um velório de uma menina de 9 anos já é demais. Ou não. 

-> O título é uma tradução de um dos cartazes mais utilizados pela dita Igreja. Pois é... 

Para os que têm tempo e interesse o caso é Snyder vs. Phelps

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

E se não fosse o Direito...

... quem sabe hoje em dia eu seria do Bicho.

Há uns anos, quando eu ainda exercia uma profissão respeitável, tive um problema. A aula versava sobre liberdades públicas e, em especial, liberdade de expressão e o conflito entre a liberdade artística e direitos individuais.
Citei o famoso caso Mephisto do Tribunal Constitucional alemão e lancei mão de algumas perguntas. Já encerrando a aula, fiz a besteira de cantarolar o samba "O Bingo" do maior dos sambistas de duplo sentido, Dicró:


Vou fazer um bingo
Lá na casa da vovó
O prêmio é minha sogra
Sai numa pedra só
Quem ganhou tem que levar
Leva essa droga pra lá
(...)
Na terceira pedra
O prêmio de consolação
Leva um criolo bicha
E uma branca sapatão
Quem ganhou tem que levar
Leva essa droga pra lá


A segunda estrofe, como se pode supor, foi a que me trouxe problemas. Uma aluna, muito progressista, com a cabeça aberta – aberta o suficiente para que as ideais não permanecessem muito tempo nela – me xingou, disse que ia me denunciar para a direção como racista, preconceituoso, machista e estúpido.


Eu, atônito, não consegui responder nada, a não ser balbuciar: „mas é a letra de um samba conhecido, não fui eu que escrevi...“ De nada adiantou. Fui chamado pelo diretor, que me pediu que eu, da próxima vez, permanecesse nos casos dos Tribunais e não mais cantarolasse em aula. Tudo certo. Nunca mais cantei e, muito provavelmente, nunca mais cantarei.

Essa semana, depois de receber a dica de um amigo, baixei (legalmente) o novo disco do Marcelo D2, com regravacoes do „mestre da malandragem“, Bezerra da Silva. A primeira coisa que me veio à mente foi a imagem daquela aluna, feliz, lesta e faceira, sambando em um show do Marcelo D2. Tudo bem, tudo bom, até a segunda ouvida, quando eu realmente prestei atenção nas letras.

Pois bem. A segunda imagem que me veio à mente foi dessa mesma aluna esperando na porta do Ministério Público, com um CD na mão e uma notícia-crime na outra, querendo prender o cantor, o finado Bezerra da Silva, o produtor do CD, a gravadora e todo mundo mais que tivesse qualquer coisa a ver com aquele „horror“.
Não me entendam mal. Ela não estaria reclamando da qualidade artística, que agrada até aos que não são afeitos ao samba. O CD é muito bom, bem produzido e, estranhamente, Marcelo D2 convence como sambista.

A reclamação dela seria em função das letras, onde é possível verificar: 
1) uso de termos racistas, 
2) incentivo à violência doméstica, 
3) incentivo a violência contra os menos favorecidos, 
4) uso de expressões machistas, 
5) uso de expressões sexistas,
5) incentivo ao uso de drogas, 
6) utilização de propriedade alheia, 
7) porte irregular de arma de fogo, 
8) discriminação religiosa, 
9) apologia dos jogos de azar, e mais tantas outras.

Alguns exemplos podem deixar mais clara a razão da revolta dessa minha ex-aluna. Na música A Semente, um vizinho joga uma semente estranha propriedade alheia e lá mesmo cresce um "tremendo matagal" e o coitado do dono do terreno é preso. Um horror.


Na canção Minha sogra parece sapatão há uma caracterização extremamente racista e sexista da sogra do cantor, algo inaceitável em uma sociedade que pretende manter a liberdade de opção sexual aos cidadãos. A sogra dele "bebe cachaça e fuma charuto, tem bigode e cabelo no peito" e ele afirma que "não sei não, minha sogra parece sapatão". Além disso, para fixar a ideia de que ela é uma homossexual feminina, ele afirma que „quando o malandro toca nela é aquele alvoroço, Ela faz assim para o esperto qual é a sua seu moço, Da fruta que você gosta eu como até o caroço.“
Mais uma clara demonstração de sexismo, ao tratar as mulheres como mero objeto, seja por homens, seja por outras mulheres. Horror, horror.


No samba Bicho Feroz, o protagonista é sempre visto com um revolver na mão e por isso "é um bicho feroz". Quando está desarmado, aqui o preconceito fica claríssimo, ele "anda rebolando", numa clara inferência ao homossexualismo do portador da arma de fogo.
Numa outra canção, o sambista afirma que "se não fosse o samba quem sabe hoje em dia eu seria do bicho", fazendo hialina apologia ao jogo de azar conhecido como "Jogo do Bicho" que tanto retira dinheiro das pessoas carentes. Veja-se que horror esse samba!!!

Num samba que pode ser caracterizado como de "crítica social", o sambista afirma que o Candidato caô caô fez uso de substância entorpecente ("até bagulho fumou") e em outra, afirma que preparará seu „cigarrinho de artista“, mas não fará uso da substância ao declarar que "Vou apertar, mas não vou acender agora..."


Em outra crítica social versada em forma de samba, há uma verdadeira enormidade criminal. O samba caracteriza o denominado Malandro rife e afirma que
Quando pinta um safado no seu morro
Assaltando operario botando pra frente
Ele mesmo arrepia o tremendo canalha
e depois enterra como indigente
(Update: me informa um amigo que há um complemento. Depois disso ainda aparece um "ele é decente!").  


Noutro samba, chamado Pai Véio 171, há uma descrição caricata de pessoas que exploram as crencas das outras pessoas. Uma pena a utilização do samba para fazer graca da religião alheia. Aquela aluna, nesse ponto, deve estar enfartando...
A pior delas, contudo, é o samba Quem usa antena é televisão. Veja-se a letra: 
Lá na minha bocada
A crioula do Chico
Pedia socorro
Chorava, gemia
O coro comia
A nega apanhava
Que nem um ladrão
Isso aconteceu
Em uma madrugada
De segunda-feira
O Chico voltava
Lá da gafieira
E flagrou um esperto
No seu barracão...
Ele disse
Que quem usa antena
É televisão
E só estava
Cobrando da nega
Essa vacilação...
(…)
Eh! E tem mais o seguinte
Vamos botar logo
As cartas mesa
Eu fico no barraco
E você leva a nega
Essa piranha brava
Eu não quero mais não

Aqui pode-se dizer que há uma junção de todos os outros: racismo, violência doméstica, abuso, machismo, misoginia, linguagem ofensiva às mulheres, etc, etc.
A esta altura, a aluna já morreu na porta do MP, ainda sem entender como as pessoas podem ser tão insensíveis com as causas da nossa sociedade. Ela, uma progressista que só quer o bem de todos, é que tem que lutar sozinha contra esses abusos cometidos por um sambista...

Moral: Até onde vão os limites da liberdade artística? Essa é uma bela questão. Uma coisa é óbvia: eles vão muito além daqueles estipulados pelo politicamente correto...


* * * * * * 

Para quem quiser ver uma obra prima da crítica social em forma de samba, basta ver ouvir Meu Bom Juiz.

Aqui uma bela crônica sobre as barbaridades que o politicamente correto pode fazer com a nossa literatura. 



quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Uma aula de violino não dói...

Um fantasma ronda a educação.

A história é, talvez, conhecida. Caso não seja, faço um resumo: Amy Chua, uma professora de direito comercial internacional da faculdade de direito de Yale, nos EUA, talvez a mais respeitada faculdade de direito do mundo, publicou um livro contando a sua experiência como mãe de duas meninas.
O livro se chama Battle Hymn of the Tiger Mother , algo como, Hino de Guerra de uma mãe tigre (tigresa?). Enfim, a tradução é o de menos. O que importa é que ela defende o seu modo de educar, baseado na forma como ela mesmo foi educada. Chua, filha de chineses que imigraram para os EUA, nasceu e cresceu como americana, mas, como contou, foi educada em padrões rigidamente asiáticos. Depois que teve suas filhas, com o também professor de Yale Jed Rubenfeld, um judeu americano, ela colocou em prática o que a memória lhe trazia da sua educação.
O livro, que ela classifica como um livro de Memórias, traz as experiências e toda a rigidez imposta às duas filhas.
Entre as incontáveis regras, as filhas NÃO podiam:
- dormir na casa de amigas
- participar de uma peca teatral no colégio
- reclamar que não podem participar de uma peca de teatro no colégio
- assistir TV ou jogar jogos no computador
- escolher suas atividades extracurriculares
- ter notas menores do que o conceito A
- não ser a melhor da turma, exceção feita à educação física e artística
- tocar outro instrumento que não fosse piano ou violino
- não tocar piano ou violino
Para os nossos ouvidos ocidentais, acostumados com toda a pedagogia do carinho e da ausência de limites, ou com toda a doutrinação de um Paulo Freire, por exemplo, isso mais parece um campo de treinamento do melhor exército do mundo do que uma família americana normal de classe média alta.
A professora Chua ainda teve o peito de publicar um artigo no Wall Street Journal intitulado "Porque as mães chineses são melhores". (leitura é recomendada).
Obviamente que o mundo quase veio abaixo quando as pedagogas, psicólogas e educadoras, que sabem melhor do que os próprios pais como educar os filhos dos outros, ficaram estarrecidas e disseram que ela não educou as filhas, mas sim torturou, ceifou, violou a liberdade, a criatividade, a jovialidade, etc, etc.
Outros educadores trouxeram pesquisas afirmando que uma educação exigente, com metas estipuladas e limites claros, ajuda as crianças no futuro que saberão lidar melhor com as responsabilidades e os problemas que a vida adulta exige e oferece.
A filha mais velha de Chua publicou um artigo no New York Post chamado Porque eu amo a minha exigente mãe chinesa. Disse que ela só se beneficiou da educação que teve e, final de Hollywood, "se morresse hoje, saberia que viveu a vida sempre a 110% e que agradecia sua mãe por isso."
Morrendo ou não morrendo, o fato objetivo é que as filhas de Chua serão aceitas nas melhores universidades americanas. E, isso, lá pra eles, já é um passo muito bem dado para o que a sociedade convencionou chamar de sucesso.
Na Alemanha, país que tem uma educação em declínio, as pedagogas querem queimar o livro de Chua em praça pública. "Um desservico à educação" é o mínimo que as educadoras contrárias às técnicas de Chua gritam. Outras, mais moderadas, dizem que ela baseou a educação em critérios objetivos bobinhos, como provas e sucesso nas notas. Esqueceu-se, dizem ela, que a vida é muito mais do que isso.
Outros dizem que os pais alemães poderiam enrijecer um pouco a educação dos filhos (sem perder a ternura, jamás!) para que as geracoes futuras continuem mantendo o país na elite mundial.
Eu, como não tenho filhos, não tenho opinião sobre isso. Quando os tiver, contudo, se a minha mulher permitr (todos sabem que eu sou muito bem mandado!) ficaria muito feliz se pudesse fazer algo parecido, com algumas liberdades a mais, mas também bastante exigente.
Até lá...
...pedagogas, psicólogas e educadoras do mundo, uni-vos!

Brasil...

... na mídia.
Enquanto todos nós nos esforçamos para que a imagem do Brasil no exterior melhore, esquecemos do que realmente importa para a humanidade e do que realmente interessa aos gringos no Brasil.
Hoje pela manhã, durante o café com o pessoal do Instituto, um deles, muito preocupado com o futuro do planeta, perguntou qual a minha opinião sobre a construção da usina de Belo Monte e sobre as centenas de milhares de vidas (de onde ele tirou esse número eu não sei) que serão perdidas com a inundação.

Antes que eu pudesse responder, outro, mais antenado com a realidade mundial, trouxe o computador com o vídeo da frentista "brasileira".

Desnecessário dizer que a conversa sobre Belo Monte se transformou na conversa sobre os belos montes das brasileiras. E, claro, as centenas de milhares de vidas que eles podem salvar...

Aqui a reportagem do respeitadíssimo tablóide (acento?!) Das Bild.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Vai meu irmão...

... pega esse avião!
Pede perdão/ Pela duração dessa temporada/ Mas não diga nada/ Que me viu chorando/
E pros da pesada/ Diz que vou levando/ Vê como é que anda/ Aquela vida à toa/
E se puder me manda/ Uma notícia boa

sábado, 22 de janeiro de 2011

The Clooney

Na esquina de casa há um restaurante italiano. O dono e chef é um italiano, vindo diretamente da Calabria, que tem um bigode de deixar um hipotético filho de Friedrich Nietzsche com Olívio Dutra no chinelo.
As comidas são preparadas na frente do freguês, com aquele bigode flutuando perigosamente acima das labaredas das bocas do fogão. Ele, confirmando o estereótipo, fala alto, muito alto, mexe os braços, é simpático, fica furioso por nada, passa cantadas nas mulheres. Enfim, tudo aquilo que os alemães pensam que um italiano deve ser.
O melhor de tudo é que, entre um prato de spaghetti carbonara e uma Pizza Fantasia ele sai à rua para um cigarro. Geralmente quando eu estou voltando para casa do "trabalho" (podem rir...) eu cruzo por ele e grito "Ciao". Ele geralmente responde com um "Salve" e continua pitando.
Como as leitoras podem imaginar, alguém que tenha um bigode desse tamanho não pode ser considerado um homem charmoso. Ele, em particular, nao o é. O bigode possui três cores que variam conforme a distância do fogão. Um dia ainda crio uma teoria sobre isso...
Dias atrás, com muita fome, ofereci meu tradicional cumprimento ao chef. Ele, com um sorriso e bastante entusiasmado, gritou Ciao, giovane!. Parei na hora e fiz um pedido ali mesmo, no meio da rua. Ele pitou mais uma vez, jogou a bituca na rua e entrou. Obviamente não lavou as mãos, coçou o bigode umas três vezes enquanto agarrava os ingredientes com a mão para preparar a minha pizza, gritou com a garçonete e, claro, deu uma piscadela pra loira que estava esperando a massa dela.
Tudo bem, tudo bom. Higiene não é algo que me preocupe muito.
Pronta a pizza, recebo a conta (impressionantes €5,80 por uma pizza grande). Pago, agradeço e caminho pra casa. Ao chegar em casa tenho uma pequena surpresa.
Na caixa há um desenho. Olhei, olhei e percebi que o pizzaiolo da caixa da pizza é a cara do George Clooney. Não resisti e desenhei um bigode condizente...
PS - O título é uma homenagem ao insuperável Howard Wolowitz.

And now...

... for something completely different.