sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Filosofia gostosa

Sem vontade de estudar e de ler alguma coisa, decidi matar o tempo assistindo a algum vídeo no YouTube.
Primeira coisa que me veio a mente, principalmente em função da solidão que impera nesta minha Temporada Alemã, foi pornografia. Mesmo sabendo que o Youtube nao autoriza a publicação de vídeos eróticos, no espaço destinado à pesquisa de vídeos digitei "mulher gostosa" e, em questão de meio segundo, abriu o vídeo abaixo.



Traduzo as partes que interessam ao post (0:55 - 2:02): Hannah Arendt: "Eu sinto que, antes, eu preciso protestar. Eu não pertenço ao círculo dos filósofos. Minha profissão, se é que se pode falar assim, é a teoria política.
Eu não me sinto, de forma alguma, uma filósofa. Eu também não fui, eu acredito que não, admitida no círculo dos filósofos, como o senhor amigavelmente descreve.
(...)
E, na minha opinião, eu não sou uma filósofa. Eu estudei filosofia, como o senhor sabe, mas isso não significa que eu permaneci na filosofia."
* * *

Esse início da entrevista com Hannah Arendt trouxe a recordação de dois colegas do tempo da faculdade que eram filósofos. Sim, eles se apresentavam como filósofos (do direito).
Tinham lido alguma coisa obrigatória para a disciplina de filosofia do direito, mais algumas páginas das bobagem do Rousseau, dois ou três aforismas do Nietzsche, et voilà, eram filósofos. Mais tarde, já formado, conheci outros, ainda mais petulantes, que, antes mesmo de terem lido qualquer coisa, já se consideravam filósofos: "ô, professor, o meu esquema é pensar o direito, não fazer dogmática. Isso (sic) eu deixo para os menos inteligentes".
É incrível ver que uma Hannah Arendt, com a sua estatura intelectual, tem a humildade de dizer que nao se considera uma filósofa. Enquanto uns bobinhos - que nem mais tão jovens são -, se julgam filósofos por terem lido algumas centenas de páginas. Mais triste ainda são aqueles que, por terem um diploma de bacharel em filosofia, se apresentam como filósofos. Tive a oportunidade de conhecer alguns e, contrariamente a Hannah Arendt, nunca desenvolveram um corpo teórico próprio ou sequer publicaram alguma coisa relevante. Mesmo assim, para a "sociedade", sao considerados - e, pior, se consideram - filósofos.
O mais triste é que, por não terem a capacidade intelectual de uma Hannah Arendt, e por não terem lido o que se deve ler, morrerão se considerando filósofos.
PS - Não há como nao ficar triste, ou chateado consigo mesmo, vendo este vídeo. Perguntada pela razão de ter estudado filosofia, ela responde que não sabe exatamente, mas que, provavelmente, foi em funcão das leituras que comecou a fazer aos 14 (!) anos: Kant, Jaspers, Kierkegaard e os clássicos gregos, obviamente no original.
PPS - Bons tempos em que filósofos podiam fumar durante entrevistas na TV. Peraí, como assim filósofos na TV?
Nota mental: se algum dia eu for convidado para dar aula de "filosofia do direito", primeiro, educadamente, recuso a oferta; segundo, se me obrigarem, passarei o semestre inteiro passando o início deste vídeo.