quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

RIP, J.D.!

Lendo essa notícia  lembrei-me de como eu sou um cara insensível. Não que eu não sinta pela morte de um grande escritor. Não é isso. Eu sinto. E mais: acho que o mundo (os EUA em especial) fica mais pobre intelectualmente sem J.D. Salinger.  

Insensível por que, ao contrário de 99% dos meus amigos, O Apanhador no Campo de Centeio não mudou a minha vida.  

Nem para o bem, nem para o mal.  

Holden nunca foi uma figura heroica, nem mesmo admirável, para mim. Sempre o achei meio vulgar e, por vezes, óbvio demais. Não tive vontade de fugir de casa e tentar a vida numa cidade grande, o que seria o bem. Nem quis matar nenhum roqueiro metido a hippie, para o mal. Nada. Nenhum sentimento. Comecei a ler o livro um Pedrinho e terminei de ler o livro o mesmo Pedrinho. Nem Heráclito acertou nessa. Eu entrei no livro várias vezes e era, para minha surpresa e decepção, o mesmo livro; e eu o mesmo Pedrinho.  

A primeira leitura d' O Apanhador aconteceu há uns bons 11 anos. Já durante a faculdade resolvi, uma vez mais, mudar a minha vida. Resultado: comprei a versão pocket do Catcher in the Rye numa Feira do Livro, corria novembro de 2003. Se a tradução em português não me transformou numa pessoa diferente, quem sabe o original, na língua pretendida pelo autor, conseguiria a façanha.

Nada.  

Novamente fiquei decepcionado. Não com o livro, por óbvio. Muito pelo contrário: em inglês o livro é muito melhor, com uma linguagem mais clara e mais fluida. Decepcionado comigo. Por ser insensível, filisteu, bruto,  ignorante e/ou qualquer outro adjetivo que se queira. Li o livro, dessa vez quase que de um fôlego só, e, mais uma vez, nada. Não fugi e para o bem e para o mal (tenho quase certeza) não matei ninguém.  

Juro que ainda hoje tento me transformar em uma outra pessoa. Quem sabe agora, em uma outra língua  e com o autor morto eu consiga, finalmente, o que tantas outras pessoas já conseguiram: dizer em alto e bom som

“O Apanhador no Campo de Centeio mudou a minha vida!”.  

Oxalá! Torçam por mim...  

sábado, 23 de janeiro de 2010

A cara do engano

anos escuta-se analistas políticos dizendo que um dos maiores problemas da política brasileira é a “pessoalização do voto” ou a “personalização” dos partidos políticos, isto é, o fenômeno de se reconhecer todo um governo em apenas uma pessoa. O atual momento político brasileiro é exemplo clássico disso: pode-se, por exemplo, imaginar um Partido dos Trabalhadores sem o atual Presidente da República? Imagine-se na eventualidade dele vir a faltar. Quem o substituiria a altura?! Ninguém é a única resposta possível. Não há, atualmente, quem o possa substituir com o mesmo carisma e, vá lá, “legitimidade” popular que ele goza.  
Sempre achei que isso fosse um fenômeno brasileiro ou, no máximo, latino-americano. Ledo engano. Triste engano.  
Depois das últimas eleições americanas, ficou claríssimo que a figura Obama era muito mais relevante do que o Obama, representante escolhido pelo Partido Democrata. Continuei acreditando, pois, que esse fosse então um fenômeno americano, que havia cruzado o Canal do Panamá e ancorado em solo norte-americano.  
Novamente: ledo engano; triste engano.  
O principal político da esquerda alemã teve que renunciar ao cargo de presidente do partido, chamado - com suprema originalidade -  “A Esquerda” (Die Linke). A discussão em todos os grandes jornais e portais é uma só: quem ira substituir Oskar Lafontaine? A reposta até agora é: ninguém. Segundo os analistas, não há ninguém a altura do atual presidente do partido. Ele é quem personaliza a oposição feita por todo o partido. Ele é, para facilitar, a cara do partido.  
Segundo a Spiegel, o partido agora se encontra “em terra de ninguém”. Já para o Die Zeit, contrariando as palavras do próprio Lafontaine de que ninguém é insubstituível, “o vácuo deixado será dificilmente preenchido”. Um tom um pouco menos apocalíptico toma o Süddeutsche Zeitung, mas também com ressalvas ao futuro preenchimento do cargo de presidente do partido.  
De qualquer forma, fica claro, mesmo que em menores proporções, que os problemas da política só mudam de enedereço. O reconhecimento de um partido na figura de uma pessoa apenas é fenômeno inexorável da política, seja aqui, seja no Brasil. O máximo, e melhor, que se pode fazer é tentar fortalecer os partidos para que se tenha, ao fim e ao cabo, uma pulverização do poder e que, por consequência, não haja uma concentração deste na mão de uma pessoa apenas. A história nos mostra, em inúmeros e riquíssimos exemplos, que sempre que uma pessoa se torna mais forte do que o próprio partido, a democracia começa a perder um pouco de sua forca...  

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Venha, Baiano!

Ufa! Depois disso, hoje eu vou dormir tranqüilo!!! 

Agora é só o pessoal de Nova Bréscia se unir e ganhar o dia do assador de churrasco... 

sábado, 16 de janeiro de 2010

Assassinado na janela por um barbudo

Alguns livros de direito tributário podem trazer a sua parcela diária de diversão. Lendo um desses, deparei com um imposto sobre o assassinato. Isso mesmo: imposto sobre o assassinato. Richard von Ely, no longínquo século XII (supostamente vivo entre 1130-1198) descreve a criação do Mordsteuer.

A cada assassinato não solucionado uma quantia seria cobrada do soberano local. Os assassinatos solucionados, consequentemente, não seriam 'tributados'. O tributo teria, segundo von Ely, a função de forcar as investigações a serem intensivas e cuidadosas para que os culpados fossem conhecidos e, na medido do possível e de acordo com as regras da época, punidos. O mais interessante na descrição é que o 'tributo' seria cobrado do soberano e não das pessoas físicas envolvidas na investigação. Seria uma versão medieval de punição pecuniária ao estado por não descobrir os autores de um determinado crime.  

Imagino uma tributação nesse sentido em capitais como Maceió, Rio de Janeiro ou Recife.

("Cara, sabia que o governo quer aumentar a  alíquota do assassinato?!")

Outro tributo interessante foi o criado pelo Czar Pedro, o Grande (ui!) (1672-1725). Ele, tendo em vista a abertura da Rússia ao ocidente, entendeu por bem que a barba que os homens russos usavam atrapalhava os planos de ocidentalização do país. Qual a genial solução encontrada pelo Czar? Ora, o imposto sobre a barba. Qualquer homem que desejasse manter s sua barba deveria pagar um tributo ao czar. Aqueles que, mantendo a barba e não tendo pago o imposto, fossem encontrados pelos fiscais seriam barbeados, com uso da força, no local onde se encontravam, fosse o meio da rua ou num bar de vodka.  

Para finalizar a diversão, há a variante do imposto sobre as janelas. Tal tributo foi utilizado a partir do século 17 na Alemanha, Franca, Holanda e Inglaterra e tomava, como o próprio nome já diz, a quantidade de janelas de uma casa como forma de mensuração do imposto devido. As vantagens desse imposto eram óbvias: o controle era fácil e quanto maior a quantidade de janelas, maior a casa e maior o número de pessoas vivendo nela, logo, maior o dinheiro disponível. O problema é que, em função disso, as casas construídas após a instituição do imposto sobre as janelas começaram a ter menos janelas, prejudicando a saúde dos moradores e, em especial, das crianças que habitavam a residência. Com essa diminuição das janelas, também a arrecadação foi caindo, levando o estado a pensar em novas formas de tributação...  

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Não à redução

"A maioria dos alemães é contra a redução de impostos" é a manchete do Die Zeit Online. Segundo uma pesquisa recente, a maioria dos alemães é contra a redução de impostos proposta pela coalizão entre o CDU/CSU e o FDP. A ideia original, como é claro, foi do FDP (o partido liberal) e, mesmo tendo sido objeto de discussões intermináveis entre os dois partidos, e de críticas ferrenhas da oposição, não foi ainda acabada.  

A pesquisa aponta como principal causa a crise econômica, que, para a maioria dos entrevistados, pode levar a um aumento de investimentos estatais e que, ainda segundo o jornal, para os entrevistados ainda não teve o seu ápice.  

Na minha modesta opinião, acredito que os alemães têm medo mesmo é de perder os serviços e garantias desse estado de bem-estar. Educação, segurança, justiça, saúde e, acima de tudo, seguridade social. A seguridade social, um avanço em democracias ricas era uma realidade nas décadas de 60, 70, 80 e início de 90. Com o crescimento e, em especial, com a imigração depois da queda do muro, fica difícil, senão impossível, manter todo mundo no mesmo padrão. E, claro, com menos impostos, fica mais fácil politicamente, pelo menos em tese, cortar as garantias e/ou privilégios.

Consigo imaginar o resultado de pesquisa semelhante no Brasil... 

Gengiva e Totalidade

Na faculdade, durante aquelas importantes discussões, um colega dizia que o direito lidava com a "vida do ser humano, velho, por completo", que regulava todas as açoes, em "todos os aspectos da existência humana, brother". Mesmo discordando terminantemente dele, acabávamos, por culpa dele, em uma comparação esdrúxula. Segundo ele, a vida de um “dentista, cara!” se resumia a tratar da "boca, dentes, gengivas e língua”, enquanto o jurista (sim, naquele época todos nós éramos juristas) “lidava com a totalidade do homem em sociedade, meu!”.  

Continuo a discordar dele. Com todas as minhas forças. Aliás, pensando bem, em determinados aspectos o dentista lida com coisas mais amplas do que o jurista. Muito mais amplas. Além disso, acredito que há áreas em que o direito não se mete e deve continuar não se metendo. Aqui inclui-se a escolha do dentista. Mas nem todo mundo pensa assim:  

“O que não se estranhará: o sentido e o destino da filosofia do direito acaba sempre por ser o sentido e o destino de todas as filosofias.”  

Recém comecei a ler esse livro e já estou começando a ficar com inveja dos dentistas e das gengivas que tanto os preocupam...  

51

Parece mentira, mas o Sueddeutsche publica matéria sobre um funcionário público que foi exonerado um função do seu mau cheiro. Está aqui. O arquiteto de 50 anos ainda estava em período probatório, mas, assim mesmo, foi demitido, segundo o ato oficial, em função “do descuido da aparência, o forte cheiro de suor e mãos sujas”.

Segundo o jornal, seus colegas fizeram um abaixo-assinado afirmando que o homem “nao fedia”. Nada obstante o mérito, ser demitido pelo cheiro é uma coisa que levaria, pelo menos no meu tempo de colégio, à demissão de um diretor que eu conheci. O sujeito fumava como uma chaminé e, pra piorar, gostava de uma branquinha.

Era batata: conversava em aula e era mandado para a direção pelas professoras. Às oito e quinze da manhã chegava eu na sala do diretor, ele já no 45° cigarro do dia e com aquele odor característico da canha.  

A conversa era sempre das mais agradáveis, por motivos óbvios, e com um sorriso no rosto, dizia ele: “Pedrinho, pode conversar, mas conversa baixinho”. E lá ia ele acender outro cigarro no que estava quase chegando ao filtro. O diretor foi, após algum tempo, substituído e, ao que tudo indica, hoje já não está mais entre nós. De qualquer forma, se houvesse os rígidos critérios da prefeitura de Colônia à época, garanto que ele seria demitido no segundo, terceiro dia de trabalho.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Epifania

Gotthold Lessing, no livro Nathan, der Weise, conta uma história significativa:

Certo dia, o sultão Saladin perguntou ao rabino Melquisedech qual das três religiões monoteístas ele considerava ser a verdadeira? O judeu respondeu na forma de uma parábola.

Um homem muito rico tinha, entre as todas as jóias preciosas do seu tesouro, um anel muito valioso. Queria, por isso, que ficasse sempre na posse de um dos seus filhos, sendo sempre o mais bondoso o escolhido. E esse deveria ser respeitado pelos outros, por ser o melhor dentre eles. Assim aconteceu, sendo o anel passado de pai para filho, ao longo de gerações. Até que chegou a um que tinha três filhos; todos igualmente bons, virtuosos e obedientes ao pai, que não conseguia distinguir o amor entre dos filhos. Os três desejavam e esperavam ser o herdeiro do anel. E, em segredo, cada um pedia o presente ao pai. Como o velho amava a todos, não sabia a qual filho deveria deixar o anel. Secretamente, procurou o melhor ourives do reino e pediu para fazer mais dois anéis tão semelhantes ao verdadeiro que não fosse possível dizer qual era o verdadeiro e qual eram os falsos.  

Pressentindo a morte, o homem rico entregou, secretamente, um anel a cada filho, com obrigação de guardar sigilo até ele morrer. Depois do último suspiro, cada um dos filhos demandou a herança, para receber também a honra por ser o melhor, uma vez que cada um deles acreditava possuir o anel valioso. Ao abrirem a herança os três exibiram cada um o seu anel e, de tão iguais, não era possível saber qual era o verdadeiro.  

Ao final, o rabino Melquisedech respondeu a Saladin: as três religiões dadas por Deus aos três povos assemelham-se aos anéis. Cada um dos povos crê possuir a verdadeira religião e cumpre os seus mandamentos.

PS - Como moro na "Rua dos Três Reis Magos" achei que a história se encaixava na data. 

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Update:

Minha queridíssima mãe me envia uma versão feminina do Nascimento:

“Não me façam rir, eu conheço a Maria desde a faculdade!”

Monóculo

“Não há em mim infelizmente (escrevia ele a Oliveira Martins, em 1882) nem um sábio, nem um filósofo. Quero dizer não sou um desses homens seguros e úteis, destinados por temperamento às análises secundárias que se chamam Ciências, e que consistem em reduzir uma multidão de factos esparsos a tipos e leis particulares, por onde se explicam modalidades do Universo; nem sou também um desses homens, fascinantes e poucos seguros, destinados por génio às análises superiores que se chamam Filosofias, e que consistem em reduzir essas leis e esses tipos a uma fórmula geral, por onde se explica a essência mesma do inteiro Universo. Não sendo pois um sábio, nem um filósofo, não posso concorrer para o melhoramento dos meus semelhantes – nem acrescendo-lhes o bem-estar por meio da Ciência, que é uma produtora de riqueza, nem elevando-lhes o bem-sentir por meio da Metafísica, que é uma inspiradora de poesia. A entrada na história também se me conserva vedada: - porque, se, para se produzir literatura basta possuir talentos, para tentar a história convém possuir virtudes. E eu!... Só portanto me resta ser, através das ideias e dos factos, um homem que passa, infinitamente curioso e atento. A egoísta ocupação do meu espírito hoje, caro historiador, consiste em me acercar de uma ideia ou de um facto, deslizar suavemente para dentro, percorrê-lo miudamente, explorar-lhe o inédito, gozar todas as surpresas e emoções intelectuais que ele possa dar , recolher com cuidado o ensino ou a parcela de verdade que exista nos seus refolhos – e sair, passar a outro facto ou a outra ideia, com vagar e com paz, como se percorresse uma a uma as cidades de um país de arte e luxo. Assim visitei outrora a Itália, elevado no esplendor das cores e das formas. Temporal e espiritualmente fiquei simplesmente um touriste.”

Eça de Queiroz, A Correspondência de Fradique Mendes.  

Chego ontem de viagem, bastante cansado, e um pacote me surpreende. Era um envio especial do meu amigo Marcelo (que deve estar extremamente satisfeito com essa notícia) que atualmente passa a sua Temporada Portuguesa.

Um brinde à amizade!