quinta-feira, 27 de maio de 2010

Deserto

Leio o projeto do Senador Cristóvão Buarque sobre a inclusão, na Constituição Federal, de dispositivo prevendo o direito do cidadão de buscar a felicidade. A busca da felicidade, essa figura tipicamente moderna de querer ser feliz, é algo que, ao fim e ao cabo, só causa mais infelicidade. E, pior, mais ansiedade e frustração. 


A felicidade não deve, infelizmente(!), ser o fim ou objetivo de uma vida. Uma tal vida será um estrodondoso fracasso. Porquê? Porque ninguém é inteiramente feliz. (Uma pessoa que se diz integralmente feliz não merece ser admirada ou festejada, mas antes tratada.) 


Devemos ser felizes? Talvez. A história da humanidade mostra que não. Toda a evolução humana é construída sobre sangue e cadáveres. E assim, infelizmente, continuará sendo. Guerras, doenças, desastres e bombas continuarão a inundar o noticiário. E continuarão a matar crianças e idosos indefesos. Pessoas sairão das nossas vidas sem explicação plausível. A dor continuará afetando as pessoas das quais mais gostamos. E a nós mesmos. Bons amigos nos decepcionarão, pessoas que amamos nos abandonarão. Tudo em busca da sua própria felicidade. A solução, já imaginada por Aldous Huxley, é afundarmo-nos em um mundo de drogas (metafóricas e reais) da felicidade. 


É possível, como aparentemente quer o digno Senador da República, buscar felicidade num mundo desses? Possível é; necessário nem tanto. Ter plena consciência de que somos necessária e invariavelmente solitários, buscamos o outro em função das nossas inseguranças, dos nossos medos e, acima de tudo, da nossa infelicidade, pode ser libertador. Buscamos completar os nossos vazios (existenciais) por meio do outro que, na nossa imaginação, nos trará completude e felicidade. A realidade é que o outro é tão vazio, inseguro e infeliz quanto nós e, na maior parte das vezes, também tem as mesmas expectativas que nós. Somando-se dois vazios buscando se completar mutuamente temos apenas uma conclusão lógica: a felicidade, por meio do outro, além de nao ser alcançada, transforma-se em dor, multiplicada em muitas vezes pela decepção. Ou pelo abandono. 


Imagine-se uma senhora de 70 anos. O marido – como as as estatísticas comprovam – se vai (voluntária ou involuntariamente). Ela viverá mais 10, 20 anos abandonada. Seus filhos estarão ocupados demais, sem tempo a perder preenchendo o vazio daquela senhora, buscando a própria felicidade dentro de suas famílias e vidas sociais. As amizades, já parcas em virtude da idade, não poderão trazer companhia. E ela, mesmo com o direito constitucional a buscar a felicidade, definhará, solitária. O mesmo ocorrendo com todos nós. Envelhecidos, solitários e – necessariamente – tristes. 


 Certo é que existem pequenos oásis de felicidade perdidos no deserto triste e estéril que é a vida. E é isso mesmo que os tornam tão importantes: diante de tristezas constantes, uma pequena felicidade (a família - e acima e antes de tudo a família -, um olhar apaixonado, o trabalho, os filhos, um bom filme, o suspiro antes do beijo, uma boa música, religião, sexo, etc, etc) tem sua eficácia potencializada. Que será, novamente, reduzida a pó diante da areia interminável (e triste) da rotina. 


Buscar a felicidade? Sem (grandes) expectativas de a encontrar pode ser válido. Ter o direito, por mandamento constitucional, à tal busca? Melhor não. 


PS - A prova de que eu estou errado está aqui


PPS - Uma análise jurídica simplória, na minha opinião, chegaria ao seguinte resultado: mais um projetode emenda constitucional inócuo. Se a dignidade da pessoa humana contém um mínimo de liberdade, neste mínimo está necessariamente incluído o "direito à busca da felicidade". Mas, conhecendo o Brasil, nao duvido que, em breve, todos nós teremos a garantia constitucional de buscar a felicidade.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Frase da Semana

“A alegação de que a tarefa de uma autoridade fiscal qualquer é a realização da justiça fiscal, certamente faria o cidadão médio rir; para ele a tarefa da autoridade fiscal é a obtenção de recursos financeiros para o Estado.”

Klaus Vogel, Steuergerechtigkeit und soziale Gestaltung, Deutsche Steuer-Zeitung, 1975, S. 409.

A idéia, contudo, não é nova. São Mateus já sabia: Marcos, 2, 13-17!

(No original: „Die Behauptung, daß die Aufgabe – etwa – eines Finanzamts in der Verwirklichung von Steuergerechtigkeit liege, würde den durchschnittlichen Bürger sicherlich lächeln machen; für ihn liegt die Aufgabe des Finanzamts in der Beschaffung von Finanzmittel für den Staat.“)

segunda-feira, 17 de maio de 2010

0.7

Um "putaquepariu!" em uníssono foi o que ocorreu quando os dois doutorandos alemães que sentam na minha frente leram a notícia que eu havia mandado por e-mail:

Ballack, o astro do time, não vai para a África do Sul

Durante um jogo pela final do campeonato inglês o craque foi atingido por outro jogador, Kevin-Prince Boateng. Detalhe: Boateng é meio alemão, meio ganês. Já tendo sido convocado para a Copa pela seleção de Gana, o sujeito vai lá e dá uma entrada criminosa no astro do time alemão.  

Detalhe importantíssimo: Gana enfrentará a Alemanha na primeira fase da Copa.

Intencional!, gritam todos. Os jornais não escrevem claramente, mas todo mundo repete: o ganês machucou intencionalmente o melhor jogador alemão.

E agora?  

Agora nada. Balack recusou o pedido de desculpas do companheiro alemão-ganês e bancou o resignado: „Estou furioso, mas futebol é assim. Essas coisas acontecem“, disse ao Zeit. Oito semanas ao mínimo de recuperação e uma Copa do Mundo a menos no curriculum.

Para mim, felizmente, não muda muito. Nunca gostei muito de futebol e não será agora que vou começar. Sou colorado por forca do hábito e pressão do meu pai e do meu irmão. Assisto aos jogos, mas não posso dizer que sou um entusiasta do esporte bretão. Nunca acompanhei de perto nenhum time, nem mesmo um campeonato. Quando a conversa vai para futebol, das duas uma: fico quieto, pensando em alguma coisa e fazendo cara de interessado, ou participo ativamente, falando coisas como “mas aquele jogador, como é mesmo nome dele?, joga muita bola!” ou “com essa formação não vai dar! Temos que ir pro 2-5-3.” A que eu mais gosto, no entanto, é quando eu sei o nome do craque do time: “Cara, o técnico tem que urgentemente tirar o Fulano, ele tá afundando o time!”.  

Risos nervosos e gritos de "ignorante", "burro", "viado", etc, etc. Já ouvi de tudo. Uma variante dessa é clamar pelo retorno de um craque do passado. Essa também funciona sempre e, na maioria dos casos, minhas observações são acompanhadas de um grito de “tu não entende nada de futebol mesmo, seu boca aberta!”.  

Porque essa história toda? Apenas um gancho arbitrário que me fez lembrar da relativa importância do futebol na minha vida.  

Brasileiro que sou, qualquer pessoa que cruza comigo sempre tem a presunção de que eu amo futebol e, pior, que eu jogo futebol muito bem. Já em tenra idade (ui!) morando em outro país, todos me convidavam para jogar futebol ou, como eles diziam, soccer. Eu ia de bom grado. Fazer amigos não era a atividade mais simples e um esporte coletivo me ajudaria nessa empreitada.  

Logo nos primeiros minutos eles percebiam que não estavam diante um novo Garrincha, Zico, Falcão ou Ronaldinho Gaúcho. Quando muito diante de um daqueles zagueiros esforçados, mas que só sabem chutar a bola pra frente ou pra fora. Depois de não receber o terceiro convite ficou claro: não fiz os amigos que achei que faria e, terror!, perdi os poucos que já tinha feito. Tudo em função de ser um brasileiro que não joga futebol.  

Agora, em idade provecta (calma, calma...) acontece o mesmo: os alemães perguntam a minha opinião sobre jogadores brasileiros que atuam por aqui. Silêncio meu. Sinto os olhares inquietos esperando um análise detida sobre as qualidades e defeitos dos jogadores brasileiros. Mais silêncio. Depois de alguns minutos me olhando, uma de duas coisas ocorre: perguntam se eu sou argentino ou, na melhor das hipóteses, se eu não entendi a pergunta.  

Quando digo que não sou o maior fã de futebol, a conclusão é apenas uma: é argentino e, por vergonha, diz que é brasileiro.  

Essa semana, diante da convocação de vários jogadores brasileiros que atuam por estas bandas pelo técnico Dunga (o Dunga e o Gamarra sempre aparecem nas minhas observações futebolísticas, dizendo que se eles voltassem ao time, teríamos uma defesa melhor), perguntaram a minha opinião:  

- Pedrinho, o que tu acha do Grafite?!

Calmamente, sem entender muito bem, respondi:  

- Sempre gostei do 0.7 AB da Faber Castel. E tu?

Pronto. Lá se vão mais dois ex-amigos.  

sábado, 15 de maio de 2010

Frase (e charge) da semana

“No direito tributário vivenciamos a situação na qual pessoas que jamais pensaram em cometer um furto qualquer ou um roubo a banco estão perfeitamente dispostas a sonegar impostos.”

                                  Paul Kirchhof, Das Maß der Gerechtigkeit, 2009, p. 169.

(No original: Im Steuerrecht erleben wir, dass Menschen, die niemals auf den Gedanken kämen, einen Diebstahl oder einen Banküberfall zu begehen, zu einer Steuerhinterzehung durchaus bereit sind.)

Charge lá no Millôr

domingo, 9 de maio de 2010

Gris

Um colega, de quem há muito não tinha notícias, escreve-me perguntando como é a vida na Alemanha. Respondo, em e-mail longo, descrevendo as vantagens e desvantagens, algumas características e, claro, semelhanças e diferenças.  

Ontem, não conseguindo dormir, me arrependi profundamente da minha resposta. Se pudesse voltar atrás, responderia apenas:

- Cinza. A vida na Alemanha é cinza.  

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Foi só toda. Todinha.

dias passei por uma livraria de livros velhos. Não era um sebo, já que não se trata de livros usados. São livros novos, ainda não lidos, mas velhos. Que ninguém quer mais. Como ninguém os quer, são mais baratos. Logo, sendo mais baratos e niguém os querendo, eu compro.

Numa estante fiquei parado por mais ou menos uns 15 minutos, folheando três livros:  

- 1001 Lugares para se conhecer antes de morrer

- 1001 livros para ler antes de morrer

- 1001 álbuns para escutar antes de morrer

Minha perplexidade não foi por tudo que não visitei, li ou ouvi. Foi antes pela absoluta impossibilidade de fazê-lo a contento.

Tirando a pátria amada Passo Fundo, não posso dizer que conheço alguma oura cidade. Vivi em algumas outras, mas não as conheço. Não o suficiente para dizer se vale a pena ser conhecidano sentido forteou apenas visitada. Terminologias bobas à parte, conhecer 1001 lugares, nos diferentes continentes, não me parece algo realizável. Para além de questões temporais e financeiras. Quem se interessa por Paris – a maioriajamais vai se interessar por Bora-Bora. Quem se sente em casa nas Antilhas Holandesas, vai se horrorizar com Frankfurt. Quem gosta de Tóquio, não quer nem saber de Nairóbi. Quem gosta de Amsterdam pelos motivos certos vai detestar a Tailândia.   

De qualquer forma, dou de barato que alguém queira mesmo conhecer as 1001 localidades que o livro apresenta: some-se alguns dias de preparação, algumas horas de avião, mais algumas horas de aclimatação, um-dois dias para os passeios: temos uma semana, isso sem contar o retorno à vida normal. 1001 lugares =1001 semanas. se foram 20 anos, apenas conhecendo lugares novos.

Com 20 anos ocupados viajando, sobram alguns anos para os livros. 1001 livros para ler antes de morrer. E quem não gosta de ler? Tome-se, uma vez mais, de barato que a leitura é prazer para todos. Em quanto tempo se um livro? Por baixo, algumas horas. Por cima e no limite, alguns anos. Alguns livros sugeridos não consomem nem um dia, quando tanto algumas horas. Outros, pelo contrário, exigem dias, semanas e meses. Don Quijote em uma semana? Impossível. Crime e Castigo? Idem. Macbeth? Eu, limitado como sou, demorei um semestre inteiro. A Montanha Mágica? Comecei sete anos e ainda não acabei. (Pergunta: o Tratado de Direito Privado do Pontes de Miranda e a Barsa contam como um livro ?!?!*) Deixemos a média de 1 por semana. 1001 livros = 1001 semanas. se foram outros vinte anos.

Pior mesmo são aqueles que não constam da lista. Quanto tempo se leva para ler, realmente, Os Donos do Poder do Raymundo Faoro? Eu comecei e, infelizmente, nunca terminei. Um dia eu chego . E Paideia, do W. Jaeger? Eu comecei e, felizmente, não pretendo terminar.

E os 1001 discos? Coloquemos a média de 1 hora por disco. Temos 1001 horas. Chegamos à modesta soma de 6 semanas. Barbardinha, certo?! Até pode ser. Isso se nos sobrar tempo entre uma leitura e outra e, obviamente, entre as viagens. Afinal, quem quer escutar a Quinta Sinfonia de Beethoven com o barulho de uma turbina de avião na orelha... Melhor mesmo é ouvir a versao de My Way do Sid Vicious.

O que fazer? Eu sugiro conhecer 11 lugares bons e dos quais se goste muito. Como Paris. Ou Veneza. Ou Berlin. Ou Praga. Ou Londres. E, obviamente, Passo Fundo. E, nesses lugares, deve-se ler os 11 melhores livros (aqui a lista é absurdamente pessoal), escutando os 11 discos ou, quiça, as 11 músicas (três deveriam estar na lista de todo mundo: Gaúcho de Passo Fundo, do Teixeirinha,  briga feia entre Claire de Lune e Quarteto para cordas, andantin doucement expressif, do Debussy e Air auf der G-Saite, do Bach).  

Pedrinho, seu burro, a solução é fazer tudo junto ao mesmo tempo e misturado!, diriam os mais afoitos.

Eu, também afoitamente, respondo: e não é isso que todos nós fazemos?

Atualmente, coitadinhas!, até as crianças... 

(*) Essa pergunta me lembra o sketch do Bruno Aleixo  onde ele pergunta ao entrevistado quanto ele tinha lido na vida. O próprio Bruno sai com uma resposta genial: “Eu li mais de mil coisas. Mas atenção!, coisas inclui livros. E eu já li um dicionário. Nao estou a contar menu de restaurantes e  sms, como tu. E sabe quanto eu li da Enciclopédia Luso-Brasileira? Foi toda. Todinha. Na verdade li até o T.”

Tentando voltar

Os últimos meses não foram nada bons.  

Acontecimentos tristes e absurdos rechearam os meus dias que, por motivos pessoais, já andavam bastante corridos. Tenho convicção que, nesses momentos, diante de notícias inexplicáveis e absurdas, as palavras não ajudam muito. Obviamente que isso não justifica eu não ter escrito. Não justifica, mas explica, como diria “o outro”.  

Talvez, e o que me parece ser a maior verdade, eu não me sentia tão só, mesmo estando mais solitário do que nunca. Vai saber...

Uma certeza, contudo, fica: a de que é absolutamente impossível desejar a felicidade distante daqueles - e daquilo - que me fazem bem. Talvez alguns momentos de sóbria serenidade. Talvez. Mais não. É impossível. Como talvez o seja, também, essa desconhecida felicidade.