terça-feira, 31 de março de 2009

V for Victory

Caso Tom Jobim tivesse escrito suas músicas por aqui ao menos duas, tenho certeza, seriam diferentes: a garota não seria de Ipanema e, claro, as Águas de Março não fechariam, mas abririam o verão. Depois de um final de semana chuvoso (e solitário) a semana começou com um baita sol. A principal consequência é facilmente perceptível: as pessoas sorriem mais. E isso muda tudo; absolutamente tudo. As coisas fluem mais facilmente e não se tem a impressão de estar ofendendo a mãe do interlocutor, especialmente quando o alemão falha. Os pesados casacos ficam no armário e caminhar de casa até a faculdade deixa de ser uma tortura. Além disso, a cidade fica cheia e a rua principal fica ainda mais cheia. Pessoas as mais diferentes, passeando, correndo, comendo, rindo e caminhando. As línguas oficiais são o espanhol, o coreano, o mandarin, o suaíle, o Riograndenser Hunsrückisch e o japonês. Há alguns que teimam em falar alemão. Outros ainda, o português. Os nativos, pelo que ouvi, detestam. Segundo dizem, a cidade fica intransitável no verão. "Pelo menos trazem dinheiro", diz outro. Eu gosto. Pelo menos, até agora, não me incomodaram (sim, na minha infinita pretensão, considero-me mais nativo que turista!). O calor atrai os turistas que por sua vez trazem o melhor e o pior para o centro da cidade antiga. O melhor são os artistas de rua (estátuas humanas, músicos, mímicos, etc.), as mesas na calçada e as gelaterias. O pior são os artistas de rua (estátuas humanas, músicos, mímicos, etc.), os pedintes - e seus inseparáveis cães - e as (irresistíveis) gelaterias. Grupos e mais grupos de pessoas de olhos puxados. Japoneses, chineses, taiwaneses, vietnamitas, paulistas, tailandeses, etc. Coloquemo-nos na grande categoria dos asiáticos japas. Os grupos, todos com um guia com uma sobrinha ao alto (ou, nos mais organizados, uma bandeirinha), com seus fones de ouvidos, atentamente escutando o guia discorrer sobre a cidade. Param. Fotos. Mais fotos. Todos, rigorosa e absolutamente todos, com uma máquina fotográfica ultra-master-turbo high tech em punho. Fazem fotos. E outras fotos. Qualquer coisa vira cartão postal. Uma pomba. Um pedinte. Uma igreja medieval com o castelo ainda-mais-medieval atrás. E até um estudante brasileiro que de fotógrafo* vira fotografado... O mais interessante (ou engraçado) é que todos ao tirarem a foto, e independentemente de onde estejam, fazem o "v da vitória". Ao lado da estátua de Goethe ou ao pé do Castelo, tanto faz. É difícil ver um japa, com menos de trinta anos que, ao bater uma foto, não faça o pequeno v com o fura-bolo e o pai-de-todos. Essas coisas da cultura alheia que não devem ser objeto de galhofa... ops! Com japas ou sem asiáticos o fato é que com as águas de março vêm também algumas novas responsabilidades. O semestre e as aulas começam e eu ainda sem saber o que esperar... Sigo na espera, de preferência sentado e ouvindo a brasilidade do Tom Brasileiro Jobim.
(na imagem, uma autêntica asiática fazendo a pose clássica dos asiáticos japas)
* Há alguns anos, passeando com alguns membros da família pelo Jardim de Luxemburgo, pedi para um jovem senhor tirar uma foto da incompleta porém feliz família. Com ar de absoluto desprezo ele se levantou e foi embora. Desde então não me nego (e, por vezes, até me ofereço) a tirar fotos dos turistas/viajantes.

07.42 pm

três meses seria impensável presenciar essa cena da sacada de casa:
Conclusão necessária: a vida vai ficando menos gris!

segunda-feira, 30 de março de 2009

Conectividade

Depois de um período (triste) sem internet estou(amos) de volta!

terça-feira, 24 de março de 2009

Piada pronta

Caso clamoroso de resposta contida na pergunta!!

segunda-feira, 23 de março de 2009

Knocking on Heaven's Walls

No final do filme The Truman Show Jim Carrey descobre que vivia numa fantasia e consegue fugir daquele colossal big brother. A cena dele batendo no céu representa muito. Infelizmente para Jade Goody o final não teve fuga num pequeno barco e, muito menos, encontro no céu cenográfico. O encontro dela foi no céu de verdade (para os otimistas!).
Sempre acreditei que a morte fosse o mais privado dos acontecimentos. A despedida deve - necessariamente - pertencer aos próximos do falecido. Morrer em público retira, acredito, a humanidade do morto e diminui o sofrimento dos entes próximos. Lembre-se do Admirável Mundo Novo, de A. Huxley, onde as crianças são levadas para ver velhos moribundos para se acostumar com a morte. Supremo erro é, agora sim, ganhar dinheiro com o sofrimento e com a morte. Como já escrevi aqui, acredito na liberdade. Piamente! Mas, claro, a liberdade implica responsabilidade, numa relação diretamente proporcional. Quanto mais liberdade, tanto maior a responsabilidade. Usar a tragédia do câncer - e as funestíssimas consequências advindas do tratamento - para "aumentar a conta bancária" dos filhos é usar a liberdade sem responsabilidade. É abusar da liberdade. Sugiro que daqui a quinze anos se pergunte aos filhos da senhorita se eles não preferiam ter tido uma infância menos abastada, mas sem a super-exposição da mãe enferma. A resposta deve ser a que eu e você estamos imaginando. Ela se foi. Seus filhos ficarão bem?! Financeiramente é uma obviedade. As consequências emocionais virão; algum dia. Torçamos para que as crianças sejam fortes. A nós somente resta esperar que o isso não mais se repita e, acima de tudo, que consigamos parar de comer lixo... In case I don't see ya, good afternoon, good evening and good night!

Convívio forçado

Um dos requisitos psara a declaração de união estável é a coabitação(*) dos consortes. Entendo e assino embaixo. Ninguém pode querer ter vida com outra pessoa sem ter a obrigação de dividir o mesmo teto com ela. À explicação: morar com outra(s) pessoa(s) é complicado. Dividir a cozinha é bucha. Não é fácil chegar para comer e encontrar alguém fumando sentado em cima da mesa (de pés descalços) e a louça usada há três dias ainda por lavar paradinha na pia. As baratas e ratos dançando, festejando e chamando os amigos da mesma espécie para o banquete! Ao começar o curso de alemão, foi-me indicada uma moradia. Eu não tinha nenhum poder de escolha. Ela foi selecionada e eu tive que vir morar nela. Como está naquele livrinho do Milan Kundera, perguntei impotente diante da óbvia resposta: Muss es sein? Es muss sein.(**) Por aqui divido cozinha e banheiro com o Mustafá, com outros dois Mustafás e mais dois brasileiros. Tudo muito bom, tudo muito bem. Até chegarmos às diferenças culturais e de hábitos de limpeza e higiene. Entre árabes e não-árabes. Entre brasileiros e outros brasileiros. Entre brasileiros árabes e brasileiros não-árabes. Não me entendam mal, por favor. Nunca fui um maluco por limpeza, o que pode ser facilmente confirmado com uma simples pergunta à minha linda e adorada irmã. Mas deve existir (e existe!) um limite para tudo. A coisa começa a ultrapassar esse limite quando a faxineira contratada para limpar o andar ameaça pedir demissão em razão da sujeira do 2. andar; quando o zelador deixa bilhetes e, diante da ineficácia dos mesmos, espera na porta para avisar que o banheiro e a cozinha não serão mais limpos enquanto "não dermos um jeito naquele horror"; quando se acorda em horários não ortodoxos para fazer a janta na cozinha do andar de cima (ou de baixo); quando urubus começam a sobrevoar o prédio e não há nenhum cachorro morto nas redondezas. Aí, sim, temos aquele limite (que em tese deveria ser inultrapassável) sendo deixado para trás. Na poeira. Melhor: na sujeira. (Poupemo-nos de detalhamentos escatológicos em relação ao banheiro. Apenas digo que não há nada pior, no entanto, do que dividir banheiro. Aí mora o cerne da questão. O x do problema. A merda [com trocadilho!] da convivência com outra(s) pessoa(s)!) Com essa Temporada em Mannheim chegando ao fim, o horizonte parece bom. Pelo menos quanto ao estado da cozinha e dos banheiros! Oxalá! (*) Com a nova reforma ortográfica, aquela que unificou a mesma língua portuguesa (veja-se o significado de autoclismo e cimeira em Portugal) não sei se "co-habitação" leva hífen ou não. Pelo que pude perceber, nem os doutores que unificaram conseguiram decidir. (**) Referência um tanto quanto óbvia à Insustentável Leveza do Ser onde se pode ler uma frase que resume, mais ou menos, a minha impotência diante da moradia para mim destinada: "(...)para nós, o que faz a grandeza do homem é ele carregar seu destino como Atlas carregava nos ombros a abóboda celeste."

quinta-feira, 19 de março de 2009

O lenço

Nada mais romântico do que alguém assoando o nariz, certo? Certo. Ia eu de trem para Heidelberg bem tranquilo, lendo o jornal. Ao meu lado uma menina com todos os sinais de uma gripe, em especial a coriza e o nariz trancado. Na minha frente um rapaz claramente interessado na moçoila gripada. Para não constranger os dois, coloquei meus fones de ouvido e fingi que escutava alguma música qualquer.
Vendo que ela estava fungando e procurando por um lenço de papel, o rapaz tomou coragem e, tirando de sua mochila um pacote com lenços de papel, ofereceu-os à moça. Ela, felicíssima, agradeceu e sorriu. Ato contínuo puxou um dos lenços de dentro do pacote e mandou brasa: pfffffffrrrrrruuuu! (*)
Depois desse ritual, digamos, rinológico os dois entabularam conversa até o destino. Os temas? Os de sempre: o amokläufer, o clima, a gripe que não passa e a lotação do trem. Quase chegando em Heidelberg, para minha (e dele) completa surpresa, a moça escreveu seu telefone num lenço limpo (!) e o entregou ao sujeito, a esta altura radiante.
Conclusão necessária: antigamente as moçoilas deixavam o lenço cair para que um jovem cavalheiro o juntasse. Hoje em dia elas não mais o levam consigo na esperança de que algum gentil e educado rapaz o ofereça e ela possa, de forma atraente e sexy, assoar o nariz na frente dele. Vou ficar torcendo pela felicidade dos dois juntos (e gripados).
(*) Lembrei de uma cena do 12 Homens e 1 Sentença, de 1957, onde um dos jurados diz ao outro, depois de ele ter assoado o nariz com estardalhaço: "Now we know that the horn is working, why not try the lights?!" Com mais presença de espírito, e menos medo do perigo, eu poderia ter feito a piada!

quarta-feira, 18 de março de 2009

Dar as respostas

Na minha curtíssima experiência docente tentei implementar um método demi-socrático. Explico-me: como não se pode exigir dos alunos brasileiros (por vários fatores) a quantidade de leitura que o método socrático full exige, tentava incitá-los ao aprofundamento da matéria, rapidamente introduzida em uma pequena exposição, com perguntas e mais perguntas. Sempre que recebia uma indagação respondia com outra pergunta, não raro perguntando a opinião do aluno sobre o tema. A piada (?) era que eu não sabia nada da matéria, ficava enrolando e fazendo tempo para poder pensar em alguma resposta.
Em algumas situações, quando a discussão entrava por caminhos tortos ou descambava para opiniões pessoais baseadas em entendimentos errôneos ou absoluto desconhecimento, tentava puxar a discussão ao centro, dando alguns pontos de apoio. Sempre entendi que assim conseguiria aprofundar a matéria, o espírito crítico do aluno e deixar de lado a monotonia do discurso (ou monólogo) do professor solitário a falar aos alunos. Hoje recebi a avaliação dos professores do semestre passado de uma das instituições onde lecionava. Num dos comentários escreveu o aluno, dentre alguns elogios (que, naturalmente, ficam de fora) e outros xingamentos (também excluídos): "O prof. fica perguntando, e perguntando, querendo que a gente pense numa resposta. Mas eu pago para ele me responder, não para ele me eprguntar (sic). As vezes ele fazia a gente pensar e eu conseguia intender (sic) a matéria melhor. Mas eu pago para ter as respostas do prof. não para ser obrigado a pensar numa resposta eu mesmo. Eu até gosto desse estilo, mas queria as respostas mais 'prontas', com maior entendimento para o aluno".
Em algumas situações uma crítica é, na verdade, um feliz elogio.
(na imagem, o aluno Platão querendo uma resposta imediata de Sócrates: "Tô pagando!", dizia com o dedo em riste)

domingo, 15 de março de 2009

Árvores feitas de madeira

Um pouquinho de non-sense do Monty Python tirando sarro das tradições dos bávaros...
Ja, in Bavaria und nicht in Venezuela!

sexta-feira, 13 de março de 2009

Monotemática

Amoklauf. A Alemanha está monotemática. Na mídia impressa, na internet e televisão um assunto domina: o rapaz de 17 anos que pegou uma arma do pai e matou 15 pessoas. Reconstituições. Indagações. Suposições. Até o caminho trilhado pelo sujeito foi motivo de discussão. E, como não podia faltar, bobagens mil. Abrindo o post está a palavra alemã para o fenômeno. Amoklauf. Segundo consta, é derivada do indonésio (amok) com o sufixo lauf que quer dizer caminhada. Em suma: Amoklauf significa sair por aí, sem destindo certo, matando pessoas. Em inglês temos rampage e o killing spree. Como o assunto por aquelas bandas é mais frequente, há duas palavras. Procurei encontrar uma palavra em português que defina o fenômeno. Não encontrei. Massacre não se encaixa. Chacina talvez?! Também não me parece que fecha com o fenômeno. Que bom. Quero acreditar que enquanto não tivermos uma palavra para o ato, ele não mais acontecerá...

quinta-feira, 12 de março de 2009

Guns don't kill people

Ontem, numa cidadezinha distante 110 quilômetros de Heidelberg, um menino de 17 anos pegou uma arma (dentre as tantas que o pai possuía em casa), algumas balas e, aparentemente sem motivo, matou 15 pessoas. Os jornais mancheteiam o ocorrido com estardalhaço. Logo abaixo pode-se ler as perguntas: quais as razões? Por quê?! Em função do(e) que(m)?! Tudo ainda cercado de mistério. Alguns teóricos vêm aos jornais culpando a mídia (esse ser malvado!), a violência da escola, o bullyism, os jogos de computador, o hip-hop, a desintegração da família, a facilidade de acesso às armas, a vontade de aparecer, etc. A possibilidade menos aventada é a de doença mental. Não entendo as razões de simplesmente não poder se creditar o ato à insanidade mental. O rapaz vinha se tratando desde 2008 para depressão. Era odiado pelos colegas e odiava estar entre eles. Dizia que seu único amor era o seu gato e a sua pistola de ar comprimido. Passava (e tudo indica que era a única coisa que fazia com prazer) horas na frente do computador. Enfim, uma rotina malsã. Como disse, prefiro creditar o ato à doença. Não é possível que alguém em sã consciência possa ser influenciado pelo fatores acima mencionados e, em virtude deles, resolva matar 15 pessoas. (Parêntesis necessário: em um dos jornais é utilizada a palavra Mitmenschen. Isso me chamou a atenção uma vez que o sujeito não matou simplesmente pessoas, mas sim as "compessoas", ou seja, aquelas com as quais ele convivia) Sigamos. Obviamente que eu não tenho a resposta. Acredito, sinceramente, que o rapaz era doente. Isso nos fornece uma explicação e, quero crer, facilita o entendimento que o homem não pode ser condicionado/compelido pelas circunstâncias a realizar atos aberrantes como esse sem uma (grande) dose de alteração na saúde mental. Pelo que foi noticiado até agora, tudo indica que eu estou errado. Até onde se descobriu o rapaz , mesmo não sendo dos mais sociáveis, não dava sinais de que iria cometer uma bizarrice dessas. Um ditado muito utilizado pela NRA (National Rifle Association lá dos EUA) é que guns don't kill people, people kill people. Eu tento e reescrevo: guns don't kill people; sick people with guns kill people. Vai saber...
Update - Artigo de João Pereira Coutinho publicado no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo de 17.03.09 sobre o assunto. Pode-se discordar do autor quanto à solução apontada, mas deve-se necessariamente concordar com a crítica aos supostos especialistas e, em especial, às causas por eles apontadas!
Adeus às armas? João Pereira Coutinho COMEÇA A ser clichê: um estudante entra em escola armado; aponta a arma a colegas e professores; dispara; mata alguns, fere outros; a polícia chega tarde e persegue o criminoso quando o massacre está feito; o criminoso suicida-se porque se sente encurralado. Corre o pano. Nos dias seguintes, entram em cena outros delinquentes: “especialistas” em coisa nenhuma que dissertam sobre os “males da juventude”. Como explicar que jovens aparentemente normais possam cometer semelhantes atrocidades? Os “especialistas”, que visivelmente nunca leram Hannah Arendt sobre a “banalidade do mal”, oferecem conversa nula e conhecida: os jovens têm acesso fácil a armas, e as armas, por definição, são um convite à matança.

Curioso. Os “especialistas” ignoram, ou propositadamente esquecem, que países como a Suíça, onde existe praticamente uma arma em cada casa, têm das mais baixas taxas de criminalidade do mundo. O Japão, onde a proibição é quase total, também. Suprema heresia: será possível que não exista nenhuma relação entre a posse de armas e o número de crimes? E, quando não são as armas, é o resto: uma cultura de violência, promovida pela TV, pelos filmes de Hollywood e pelos jogos de vídeo, que arruina os pobres neurônios das crianças.

Elas veem violência, elas querem violência: uma reação pavloviana e primitiva. Curioso novamente. Os “especialistas” ignoram, ou propositadamente esquecem, que o mundo pré-televisivo era incomparavelmente mais violento do que o mundo pós-televisivo e anestesiado de hoje. Leiam história. Ou perguntem aos vossos bisavós. Feito o diagnóstico, vêm as soluções: proibir as armas; proibir a violência nos filmes, nos jogos e, de preferência, no mundo inteiro; espalhar exércitos de psicólogos nas escolas, dispostos a acompanhar e a vigiar a saúde mental das crianças. Ao mínimo sinal de alarme, internamento com elas!

Aconteceu novamente: não nos Estados Unidos, essa pátria de imoralidade sem fim. Mas na Alemanha, país europeu com legislação rigorosa sobre a compra e posse de armas. Um jovem criminoso, Tim Kretschmer, entrou na escola e foi matando. Saldo: 15 mortos. Minto: 16. Tim foi o último da contagem, por suas próprias mãos. Nas horas posteriores, todos os clichês sobre “massacres escolares” voltaram a ser ouvidos: as armas; o cinema; os jogos; o Mickey.

Longe de mim perturbar a sabedoria dos “especialistas”. Mas posso contar uma história nunca contada que o jornalista Phil Valentine relembrou recentemente em obra sobre o assunto? Era uma vez nos Estados Unidos. Mais propriamente em Pearl, cidade do Mississippi, corria 1997. Um jovem de 16 anos, Luke Woodham, entrou na escola local com uma arma. Matou dois estudantes, feriu sete. Posso contar outra história?

Era uma vez nos Estados Unidos. Mais propriamente em Edinboro, cidade da Pensilvânia, corria 1998. Um jovem de 14 anos, Andrew Jerome Wurst, entrou na escola local com uma arma. Matou um professor e feriu mais três pessoas. Não quero abusar. Mas posso contar mais uma? Era uma vez no mesmo país. Mais propriamente em universidade da Virginia, corria 2002. Um antigo estudante de 43 anos, Peter Odighizuwa, entrou na faculdade com uma arma. Matou três pessoas e feriu outras três.

E vocês sabem por que motivo esses episódios nunca foram narrados na mídia tradicional com a intensidade dedicada à infame escola de Columbine? Porque eles tiveram final “feliz”. Ou infeliz, dependendo da perspectiva: apesar dos mortos envolvidos, os massacres poderiam ter sido incomparavelmente maiores. Não foram. E não foram porque os criminosos acabaram sendo imobilizados a tempo por pessoas com armas: funcionários ou professores.

A moral dessas histórias não é simpática. Mas quem disse que o mundo era simpático? Jovens alienados continuarão a entrar nas escolas de todo o mundo, dispostos a cometer o impensável e a horrorizar as nossas sociedades. Essa fatalidade não se explica pelas armas, pelos filmes, pelos jogos; mas, repito, porque existem jovens alienados dispostos a cometer o impensável e a horrorizar as nossas sociedades.

A única forma de proteger as escolas não está em desarmá-las perante um agressor desse tipo. Está em permitir que exista em cada uma delas alguém -um professor, um funcionário, um diretor, na impossibilidade de um policial permanente- que possa parar uma arma com outra arma. O resto são filosofias românticas e vagas: filosofias que servem de pouco quando o criminoso tem um revólver, e os inocentes, não.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Música para os deuses

Para relaxar das intermináveis regras da gramática alemã o professor, de quando em quando, faz uns jogos com a turma. Geralmente tais jogos envolvem conhecimento inútil que só serve para aquelas conversas às 3.30 da manhã depois de duas garrafas de vinho. Para não variar, hoje tivemos um quiz sobre cultura inútil(íssima!). Fiquei sabendo que os golfinhos conseguem dormir com apenas metade do cérebro e, portanto, não correm o risco de se afogar. Também que com a mesma quantidade de metal de um Boeing 747 é possível fazer 6 milhões de latas de cerveja. Ou que não existem aborígenes míopes e que Jack Nicholson descobriu aos 37 anos que aquela que ele julgava ser a sua irmã era, na verdade, sua mãe. Ainda que na Alemanha existe uma placa de trânsito a cada 28 metros (esse povo gosta mesmo de uma regrinha!). Por fim, que não se deve pegar um táxi para o aeroporto em Tóquio. Duas coisas, em especial, me deixaram impressionado. A primeira é que o Hino Nacional da Grécia tem, nada mais nada menos, que 158 estrofes. A segunda é que isso, em termos musicais, é quase nada. Explico-me. Um sujeito chamado John Cage, que ficou famoso pela sua composição 4'33'', que nada mais é do que 4 minutos e 33 segundos de silêncio, tem uma composição chamada As Slow As Possible. Sua ideia original era de que a composição tivesse entre vinte e setenta minutos e fosse tocada ao piano. Um grupo de maestros e filósofos (obviamente desocupados) resolveu levar a idéia de Cage ao extremo. No ano 2001 começou a execução da composição que levará nada mais nada menos que 639 anos para ser terminada. Sim. 639 anos. O número não é aleatório. Trata-se da idade do órgão no qual a composição será executada. Ao fim e ao cabo, o órgão terá 1278 anos de idade e a música terá, para glória, chegado ao fim. Uma curiosidade: as três primeiras notas duraram um ano e meio. Sabend0-se que raramente uma pessoa vive mais do 100 anos, será possível para alguém que nasceu após o ano 2001 e que venha a ser um centenário ouvir, aproximadamente, 15 porcento da obra do maestro. Das duas uma: ou John Cage (e aqueles que levaram sua idéia quase ao infinito) é um absoluto maluco ou ele faz arte não para os homens, mas para os deuses. Fico com a primeira opção.
(na imagem, uma jovem senhora comemora após ouvir 13% da obra de John Cage)

terça-feira, 3 de março de 2009

Muito boa

Multicultural, pero no mucho II

Estava eu bem quieto na cozinha, fazendo um chá, quando chega o indefectível Mustafá (sempre ele) e - out of the blue - tasca a seguinte pergunta: - Pedro, tu acredita que o homem descende dos macacos? Como acredito no respeito ao diferente, em especial quando o esquema é religião e suas crenças, desconverso. Digo que é um tema árduo, com inúmeras polêmicas de cunho científico e religioso, etc e tal. Aproveito para dizer que em Heidelberg foi encontrado o Homo Heidelbergensis e que o local era propício para uma discussão daquelas, mas que, infelizmente, eu tinha que fazer o meu tema de casa. Ele, claro, não satisfeito, disse que acreditar naquela "piada" (Witz, em alemão) de Darwin e do evolucionismo era coisa de gente despreparada e, porque não, burra. Mustafá, Mustafá! Sempre me ensinando o valor da paciência.

Brizola tinha razão?

O Brasil se orgulha de ter o "mais moderno sistema de votação e apuração de votos do mundo". Como é de praxe no atual discurso político, poder-se-ia dizer que 'nunca antes na história deste país' se usou tecnologia tão avançada. Os expertos brasileiros afirmam que isso auxilia no desenvolvimento e fortalecimento da democracia. Os juizes alemães teimam em discordar... Por aqui as coisas são um pouco diferentes. Hoje mesmo o Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) decidiu que a instalação de urnas eletrônicas é inconstitucional. Segundo o Tribunal, o princípio da "publicidade das votações define que todos os passos da votação devem ser publicamente controláveis". Ainda, que numa eventual " introdução de urnas eletrônicas os principais passos da eleição e da apuração devem ser confiáveis e controláveis pelos cidadãos, sem conhecimentos técnicos ". O jornal semanal Die Zeit afirma, em sua versão eletrônica, que a decisão é uma vitória para a democracia. Isso me faz lembrar das críticas ao sistema eletrônico, então ainda incipiente no Brasil, feitas por Leonel Brizola que afirmava que isso levantava a possibilidade de fraudes, com a consequente impossibilidade de recontagem manual dos votos, controladas por membros dos partidos interessados e funcionários do TRE/TSE e mesários. Nunca tinha parado para pensar nisso. Lembro de ter uma imagem vaga daquele senhor e seus maneirismos, brandindo contra o "sistema" e os "interésses", também no que se relacionava ao sistema eletrônico de eleições. Na parte jurídica, pode-se concordar com o argumento do Tribunal e, por incrível que pareça, com o falecido Brizola. Se o princípio democrático implica participação nas eleições, essa participação se dá quer como eleitor, quer como controlador dos resultados. Como frisou o Tribunal, o controle não deve necessitar de conhecimentos técnicos. Para boa parte da população brasileira a tecla "enter" ainda é matéria técnica e complexa. Imagine-se um ribeirinho no Amazonas que desconhece o maravilhoso mundo da internet e resolva questionar o resultado daquele pleito cujo resultado foi enviado "via satélite" para os computadores do TSE em Brasília. Vê-se que algum conhecimento é, no mínimo, necessário. Além disso, é claro, a suspeita também levantada de que com o sistema eletrônico é possível, mesmo que muito difícil, rastrear o voto ao seu eleitor. Coisa que vai contra o "sufrágio secreto" garantido no texto constitucional e que com a cédulas de papel se torna virtualmente impossível. O Tribunal abre a possibilidade de instituição do sistema eletrônica caso haja outros princípios constitucionais que o justifiquem. No Brasil o argumento principal é a "eficiência e a celeridade" da votação eletrônica. Quem sabe um dia também os alemães não se tornem adeptos dessa fobia contra a perda de tempo. Veja-se, também, que uma das bases da decisão é o art. 20 que define que "a república federal da Alemanha é um estado democrático e social". Vago. Sim, mas com valor argumentativo poderoso. E a argumentação do Tribunal é forte e, acima de tudo, acertada. Fica a questão: a Constituição brasileira tem dispositivo semelhante. Poderiam os nossos ministros decidir da mesma forma? Como já temos eleições eletrônicas há anos, a repsosta é: poderiam, mas não o fizeram. A razão? Quem sabe a vontade de modernizar o que não necessariamente precisa ser modernizado (note-se que esteve em teste na última eleição a leitura biométrica dos eleitores). Posso ser acusado de luddista, primitivista e quejandos. Seria uma notória contradição possuir um blog, além do que eu adoro a Apple e o Google. Mas, claro, gosto ainda mais de segurança e de respeito aos direitos fundamentais e aos mandamentos constitucionais. Particularmente eu prefiria as cédulas em papel. Por três motivos principais: primeiro, permitem que a votação seja controlada mais eficientemente a posteriori; segundo, dava um certo gosto aquele suspense que durava dias após as eleições até o resultado final e, last but not least, dava para ser engraçadinho nas cédulas e, desenhando mais um quadradinho abaixo dos candidatos a presidente, votar infantilmente em Chuck Norris para Presidente do Brasil-il-il... Leonel Brizola tinha razão? Os juízes alemães dizem que sim...
* A decisão do Tribunal pode ser lida aqui.