sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Filosofia gostosa

Sem vontade de estudar e de ler alguma coisa, decidi matar o tempo assistindo a algum vídeo no YouTube.
Primeira coisa que me veio a mente, principalmente em função da solidão que impera nesta minha Temporada Alemã, foi pornografia. Mesmo sabendo que o Youtube nao autoriza a publicação de vídeos eróticos, no espaço destinado à pesquisa de vídeos digitei "mulher gostosa" e, em questão de meio segundo, abriu o vídeo abaixo.



Traduzo as partes que interessam ao post (0:55 - 2:02): Hannah Arendt: "Eu sinto que, antes, eu preciso protestar. Eu não pertenço ao círculo dos filósofos. Minha profissão, se é que se pode falar assim, é a teoria política.
Eu não me sinto, de forma alguma, uma filósofa. Eu também não fui, eu acredito que não, admitida no círculo dos filósofos, como o senhor amigavelmente descreve.
(...)
E, na minha opinião, eu não sou uma filósofa. Eu estudei filosofia, como o senhor sabe, mas isso não significa que eu permaneci na filosofia."
* * *

Esse início da entrevista com Hannah Arendt trouxe a recordação de dois colegas do tempo da faculdade que eram filósofos. Sim, eles se apresentavam como filósofos (do direito).
Tinham lido alguma coisa obrigatória para a disciplina de filosofia do direito, mais algumas páginas das bobagem do Rousseau, dois ou três aforismas do Nietzsche, et voilà, eram filósofos. Mais tarde, já formado, conheci outros, ainda mais petulantes, que, antes mesmo de terem lido qualquer coisa, já se consideravam filósofos: "ô, professor, o meu esquema é pensar o direito, não fazer dogmática. Isso (sic) eu deixo para os menos inteligentes".
É incrível ver que uma Hannah Arendt, com a sua estatura intelectual, tem a humildade de dizer que nao se considera uma filósofa. Enquanto uns bobinhos - que nem mais tão jovens são -, se julgam filósofos por terem lido algumas centenas de páginas. Mais triste ainda são aqueles que, por terem um diploma de bacharel em filosofia, se apresentam como filósofos. Tive a oportunidade de conhecer alguns e, contrariamente a Hannah Arendt, nunca desenvolveram um corpo teórico próprio ou sequer publicaram alguma coisa relevante. Mesmo assim, para a "sociedade", sao considerados - e, pior, se consideram - filósofos.
O mais triste é que, por não terem a capacidade intelectual de uma Hannah Arendt, e por não terem lido o que se deve ler, morrerão se considerando filósofos.
PS - Não há como nao ficar triste, ou chateado consigo mesmo, vendo este vídeo. Perguntada pela razão de ter estudado filosofia, ela responde que não sabe exatamente, mas que, provavelmente, foi em funcão das leituras que comecou a fazer aos 14 (!) anos: Kant, Jaspers, Kierkegaard e os clássicos gregos, obviamente no original.
PPS - Bons tempos em que filósofos podiam fumar durante entrevistas na TV. Peraí, como assim filósofos na TV?
Nota mental: se algum dia eu for convidado para dar aula de "filosofia do direito", primeiro, educadamente, recuso a oferta; segundo, se me obrigarem, passarei o semestre inteiro passando o início deste vídeo.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Ô loco, meu!

Maravilhas do mundo moderno. Estava procurando uma tradução para um parágrafo do Goethe, que eu teimava em ler e não entender, quando me deparei com esta pérola.



Fausto Silva apresenta Goethe

FS - E agora, exatamente às dezoito horas e trinta minutos, nós vamos trazer aquele que é um grande ícone da poesia mundial! Ééé, bicho, tá pensando o quê? Não é brincadeira o que esse cara faz, não. Ele é considerado por muitos o maior poeta da história da Alemanha! Diretamente da corte de Weimar para a sua telinha, vem aí o glorioso Johann Wolfgang von Goethe aqui no “Domingão”!

(Entra JWG, um pouco assustado com a gritaria do público.)

FS – Grande garoto! Essa ferinha aqui foi quem escreveu aquela história do cara que faz um pacto com o diabo -e o cara era meu xará, é brincadeira? O Brasil todo aplaude…

JWG, timidamente O sprich mir nicht von jener bunten Menge/ Bei deren Anblick uns der Geist entflieht…

FS (interrompendo) – Esse é o super-Goethe! Monstro sagrado da teledramaturgia alemã! Grande figura humana, tanto no pessoal quanto no profissional!

JWGKennst du das Land wo die Zitronen blühn?

FS – Orra, se conheço, meu. Morei cinco anos em Bebedouro…

(O poeta faz “nein-nein” com o indicador, vira-se e aponta para Caçulinha, que começa a tocar o lied de Schubert. JWG, na sua melhor voz de Dietrich Fischer-Dieskau, manda ver:)

JWG“Kennst du das Land, wo die Zitronen blühn/Im dunkeln Laub die Gold-Orangen glühn…”

FS – Ô loco! Concertos pra juventude, galera! Quem sabe faz ao vivo!

"E o cara era meu xará" 
Sensacional!!!

PS - Para quem tiver interesse, pode-se ouvir (é obséquio esquecer a imagem) o tenor mencionado no texto, Dietrich Fischer-Dieskau, cantando Das Lied im Grünen, do Franz Schubert. 

domingo, 13 de junho de 2010

Tomorrow, and tomorrow, and tomorrow

Na peça Macbeth, Shakespeare, numa de suas estrofes mais famosas, descreve o que ele entende seja a vida. Pela voz de Macbeth, depois de ser avisado por Seyton que Lady Macbeth estava morta, declama:  a vida “é um conto, narrado por um idiota, cheio de som e de fúria, sem sentido algum"  (Ato 5, Cena 5).  

Como já contei aqui, fui obrigado a ler isso bem cedo. Meu pessimismo, como se vê, não é gratuito. Vem das leituras que fiz e que fui obrigado a fazer. Mas, principalmente, da miséria com a qual sou obrigado – jamais escolhi vivenciar isso – a conviver.  

Esses versos me foram escritos por um amigo dileto, depois de me informar que um conhecido, que trabalhava no mesmo lugar que eu, fora assassinado por jovens em função de um carro e algum dinheiro.  No mesmo dia fico sabendo que os filhos de uma senhora digna se digladiam em virtude de uma herança. 

Há pessoas que creem que o ser humano é capaz de prodígios e, se bem condicionado, capaz de se tornar um “novo homem”. Outros chegam a gritar que “um outro mundo é possível”. Eu, pessimista (realista?) só vejo miséria no futuro do homem. Miséria, tragédia e tristeza. Nada mais.

Enfim, um conto, narrado por um idiota, cheio de som e de fúria, sem sentido algum.  

terça-feira, 8 de junho de 2010

Review

A história é antiga. Nem por isso deixa de ser tragicômica. Faco um resumo dos fatos:

Uma professora de uma conhecida Universidade israelense publicou um livro sobre os procedimentos do Tribunal Penal Internacional. A editora que havia publicado o livro enviou a obra para uma importante Revista de Direito Internacional. O Editor da revista selecionou entre os revisores cadastrados e enviou o livro a um professor alemão, reconhecido especialista na área.  

Depois de algumas semanas recebeu uma review do livro. A review não era nem um pouco elogiosa. Tecia, em pouquíssimas linhas, uma crítica dura sobre o livro, o conteúdo, a abordagem e, por fim, a editoração do livro. Tudo normal, tudo bem.  

Até que a autora do livro, professora já antiga, tomasse conhecimento da crítica.

Enviou carta enfurecida ao editor da publicação, exigindo que a review fosse imediatamente retirada do site da Revista e de quaisquer outros sites administrados pelo Editor. Afirmava que a review era desrespeitosa, não condizia com o conteúdo do livro, beirava a má-fé e a mentira e, ainda, prejudicava a sua reputação acadêmica. Agora o principal: fazia uma ameaça velada ao Editor, afirmando que a liberdade de expressão na Franca não era tao ampla como a garantida pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA (onde está o servidor que hospedou o site onde foi publicada a crítica).  

O Editor, em longa carta, respondeu a Autora, afirmando que não via razoes suficientes para retirar a review do site, e que – mesmo que não concordasse com o conteúdo da crítica – acreditava que essas reviews eram de suma importância para o mundo acadêmico e para o pleno desenvolvimento da ciência do direito.  

A professora israelense, não satisfeita, enviou nova carta ao Editor pedindo, desta vez, que a review fosse "temporariamente" retirada do site, até que tudo fosse esclarecido. O Editor, novamente em carta, sugeriu que a Autora postasse um comentário – o que era tecnicamente viável – no site, abaixo da crítica que, após moderação feita pelos editores, seria publicada. Cínica e ironicamente, sugeriu parcimônia da Autora na formulação do comentário. Ato contínuo, o editor pediu aos leitores que enviassem outras reviews tão ou mais críticas, para que ele pudesse, então, demonstrar que ela estava exagerando.  

Tudo bem, tudo bom. Até que o Editor foi intimado a comparecer a um Tribunal francês para responder pelo crime de injúria. A Autora se sentiu tao ofendida que, ato extremo, denunciou o Editor perante uma autoridade judicial francesa. A primeira audiência – uma mera formalidade processual – já ocorreu e a audiência „de verdade“ ocorrerá no dia 25 próximo.  

Como os meus dois leitores (oi, mãe! Oi, pai!) sabem, a professora israelense está errada. Absurdamente errada. Fez (e faz – até quando decidir levar adiante essa patacoada) papel ridículo, seja no mundo jurídico, seja no mundo acadêmico.  

Ora, em áreas nas quais as idéias não podem ser "cientificamente" comprovadas, como é o caso do direito, a troca e, principalmente e antes de tudo, a críticas das idéias é o motor que move o mundo. Pessoas sensíveis devem, agora mais do que nunca, ficar de fora desse mundinho mesquinho e pequeno. As que desejarem participar devem endurecer o casco. Apanhar – no sentido figurado, obviamente – faz parte e deve ser o objetivo de todo e qualquer acadêmico. Antes de ser uma ofensa é um elogio e a razão é claríssima: o revisor tomou seu tempo (sempre escasso) e leu o trabalho. Se achou uma merda, bom, aí o problema é dele. Mas, antes disso, é preciso lembrar que ele parou, sentou, leu, leu, leu, pensou novamente e, só então, sentou e escreveu que o trabalho era ruim, péssimo ou muito péssimo.  

Como disse, dou razão ao editor. Mas não deixo de ter certa simpatia com a professora israelense (mesmo achando o que ela fez uma besteira!) O problema, me parece, é que em um mundinho onde a pessoa passa anos, décadas, se dedicando a um assunto apenas, renunciando ao mundo que continua a girar, para escrever uma calhamaço de 500, 600, 1000 páginas, para depois ser chamada de burra, ignorante, desconhecedora, superficial etc, dói; e dói muito. Nem tanto pelo conteúdo do trabalho, mas por ver que todo aquele tempo gasto dentro de uma biblioteca nem sequer deu resultado... Pelo menos não a um dos resultados possíveis: o reconhecimento pelos pares. A frustração, neste caso aliada à uma sensibilidade exagerada, pode causar horrores como esse: uma mulher crescida se sentir ofendida – e levar isso até as últimas consequências – porque um outro professor disse que as idéias eram velhas e superficiais.  

Sorte que, ao contrário deles, eu gasto os meus dias aproveitando a vida e não enfurnado numa biblioteca qualquer....  

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Até o fim

Qualquer estudante sabe que deve ler o artigo até o final quando uma das primeiras referências é ao filme Desejo de Matar, do insuperável Charles Bronson:

"Ou, se a moral condena a execução privada de pessoas com predisposição à violência, mas não condena o uso de força mortal em legítima defesa, então é moralmente permitido que Charles Bronson caminhe pelo Central Park à noite com o único propósito de incitar pessoas com predisposição à violência a lhe atacar para que ele possa, então, mata-las em legítima defesa. (Nota de rodapé: Vide Desejo de Matar, Paramout, 1974)"

Larry Alexander, Is morality like the tax code? Michigan Law Review, 1997; 95(6):1839-1850, 1841.

[No original: Or, if morality condemns private execution of those disposed to violence but does not condemn the use of deadly force in self-defense, then it is morally permissible for Charles Bronson to walk in Central Park at night for the sole purpose of enticing violently disposed persons to attack him so that he can, in turn, kill them in self-defense. (See. Deathwish (Paramount, 1974)]

 

sábado, 5 de junho de 2010

Ridendo...

...castigat mores.

Tradução do brocardo: rindo castiga-se mais. Autoria, como sói, do Millôr Fernandes.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Deserto

Leio o projeto do Senador Cristóvão Buarque sobre a inclusão, na Constituição Federal, de dispositivo prevendo o direito do cidadão de buscar a felicidade. A busca da felicidade, essa figura tipicamente moderna de querer ser feliz, é algo que, ao fim e ao cabo, só causa mais infelicidade. E, pior, mais ansiedade e frustração. 


A felicidade não deve, infelizmente(!), ser o fim ou objetivo de uma vida. Uma tal vida será um estrodondoso fracasso. Porquê? Porque ninguém é inteiramente feliz. (Uma pessoa que se diz integralmente feliz não merece ser admirada ou festejada, mas antes tratada.) 


Devemos ser felizes? Talvez. A história da humanidade mostra que não. Toda a evolução humana é construída sobre sangue e cadáveres. E assim, infelizmente, continuará sendo. Guerras, doenças, desastres e bombas continuarão a inundar o noticiário. E continuarão a matar crianças e idosos indefesos. Pessoas sairão das nossas vidas sem explicação plausível. A dor continuará afetando as pessoas das quais mais gostamos. E a nós mesmos. Bons amigos nos decepcionarão, pessoas que amamos nos abandonarão. Tudo em busca da sua própria felicidade. A solução, já imaginada por Aldous Huxley, é afundarmo-nos em um mundo de drogas (metafóricas e reais) da felicidade. 


É possível, como aparentemente quer o digno Senador da República, buscar felicidade num mundo desses? Possível é; necessário nem tanto. Ter plena consciência de que somos necessária e invariavelmente solitários, buscamos o outro em função das nossas inseguranças, dos nossos medos e, acima de tudo, da nossa infelicidade, pode ser libertador. Buscamos completar os nossos vazios (existenciais) por meio do outro que, na nossa imaginação, nos trará completude e felicidade. A realidade é que o outro é tão vazio, inseguro e infeliz quanto nós e, na maior parte das vezes, também tem as mesmas expectativas que nós. Somando-se dois vazios buscando se completar mutuamente temos apenas uma conclusão lógica: a felicidade, por meio do outro, além de nao ser alcançada, transforma-se em dor, multiplicada em muitas vezes pela decepção. Ou pelo abandono. 


Imagine-se uma senhora de 70 anos. O marido – como as as estatísticas comprovam – se vai (voluntária ou involuntariamente). Ela viverá mais 10, 20 anos abandonada. Seus filhos estarão ocupados demais, sem tempo a perder preenchendo o vazio daquela senhora, buscando a própria felicidade dentro de suas famílias e vidas sociais. As amizades, já parcas em virtude da idade, não poderão trazer companhia. E ela, mesmo com o direito constitucional a buscar a felicidade, definhará, solitária. O mesmo ocorrendo com todos nós. Envelhecidos, solitários e – necessariamente – tristes. 


 Certo é que existem pequenos oásis de felicidade perdidos no deserto triste e estéril que é a vida. E é isso mesmo que os tornam tão importantes: diante de tristezas constantes, uma pequena felicidade (a família - e acima e antes de tudo a família -, um olhar apaixonado, o trabalho, os filhos, um bom filme, o suspiro antes do beijo, uma boa música, religião, sexo, etc, etc) tem sua eficácia potencializada. Que será, novamente, reduzida a pó diante da areia interminável (e triste) da rotina. 


Buscar a felicidade? Sem (grandes) expectativas de a encontrar pode ser válido. Ter o direito, por mandamento constitucional, à tal busca? Melhor não. 


PS - A prova de que eu estou errado está aqui


PPS - Uma análise jurídica simplória, na minha opinião, chegaria ao seguinte resultado: mais um projetode emenda constitucional inócuo. Se a dignidade da pessoa humana contém um mínimo de liberdade, neste mínimo está necessariamente incluído o "direito à busca da felicidade". Mas, conhecendo o Brasil, nao duvido que, em breve, todos nós teremos a garantia constitucional de buscar a felicidade.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Frase da Semana

“A alegação de que a tarefa de uma autoridade fiscal qualquer é a realização da justiça fiscal, certamente faria o cidadão médio rir; para ele a tarefa da autoridade fiscal é a obtenção de recursos financeiros para o Estado.”

Klaus Vogel, Steuergerechtigkeit und soziale Gestaltung, Deutsche Steuer-Zeitung, 1975, S. 409.

A idéia, contudo, não é nova. São Mateus já sabia: Marcos, 2, 13-17!

(No original: „Die Behauptung, daß die Aufgabe – etwa – eines Finanzamts in der Verwirklichung von Steuergerechtigkeit liege, würde den durchschnittlichen Bürger sicherlich lächeln machen; für ihn liegt die Aufgabe des Finanzamts in der Beschaffung von Finanzmittel für den Staat.“)

segunda-feira, 17 de maio de 2010

0.7

Um "putaquepariu!" em uníssono foi o que ocorreu quando os dois doutorandos alemães que sentam na minha frente leram a notícia que eu havia mandado por e-mail:

Ballack, o astro do time, não vai para a África do Sul

Durante um jogo pela final do campeonato inglês o craque foi atingido por outro jogador, Kevin-Prince Boateng. Detalhe: Boateng é meio alemão, meio ganês. Já tendo sido convocado para a Copa pela seleção de Gana, o sujeito vai lá e dá uma entrada criminosa no astro do time alemão.  

Detalhe importantíssimo: Gana enfrentará a Alemanha na primeira fase da Copa.

Intencional!, gritam todos. Os jornais não escrevem claramente, mas todo mundo repete: o ganês machucou intencionalmente o melhor jogador alemão.

E agora?  

Agora nada. Balack recusou o pedido de desculpas do companheiro alemão-ganês e bancou o resignado: „Estou furioso, mas futebol é assim. Essas coisas acontecem“, disse ao Zeit. Oito semanas ao mínimo de recuperação e uma Copa do Mundo a menos no curriculum.

Para mim, felizmente, não muda muito. Nunca gostei muito de futebol e não será agora que vou começar. Sou colorado por forca do hábito e pressão do meu pai e do meu irmão. Assisto aos jogos, mas não posso dizer que sou um entusiasta do esporte bretão. Nunca acompanhei de perto nenhum time, nem mesmo um campeonato. Quando a conversa vai para futebol, das duas uma: fico quieto, pensando em alguma coisa e fazendo cara de interessado, ou participo ativamente, falando coisas como “mas aquele jogador, como é mesmo nome dele?, joga muita bola!” ou “com essa formação não vai dar! Temos que ir pro 2-5-3.” A que eu mais gosto, no entanto, é quando eu sei o nome do craque do time: “Cara, o técnico tem que urgentemente tirar o Fulano, ele tá afundando o time!”.  

Risos nervosos e gritos de "ignorante", "burro", "viado", etc, etc. Já ouvi de tudo. Uma variante dessa é clamar pelo retorno de um craque do passado. Essa também funciona sempre e, na maioria dos casos, minhas observações são acompanhadas de um grito de “tu não entende nada de futebol mesmo, seu boca aberta!”.  

Porque essa história toda? Apenas um gancho arbitrário que me fez lembrar da relativa importância do futebol na minha vida.  

Brasileiro que sou, qualquer pessoa que cruza comigo sempre tem a presunção de que eu amo futebol e, pior, que eu jogo futebol muito bem. Já em tenra idade (ui!) morando em outro país, todos me convidavam para jogar futebol ou, como eles diziam, soccer. Eu ia de bom grado. Fazer amigos não era a atividade mais simples e um esporte coletivo me ajudaria nessa empreitada.  

Logo nos primeiros minutos eles percebiam que não estavam diante um novo Garrincha, Zico, Falcão ou Ronaldinho Gaúcho. Quando muito diante de um daqueles zagueiros esforçados, mas que só sabem chutar a bola pra frente ou pra fora. Depois de não receber o terceiro convite ficou claro: não fiz os amigos que achei que faria e, terror!, perdi os poucos que já tinha feito. Tudo em função de ser um brasileiro que não joga futebol.  

Agora, em idade provecta (calma, calma...) acontece o mesmo: os alemães perguntam a minha opinião sobre jogadores brasileiros que atuam por aqui. Silêncio meu. Sinto os olhares inquietos esperando um análise detida sobre as qualidades e defeitos dos jogadores brasileiros. Mais silêncio. Depois de alguns minutos me olhando, uma de duas coisas ocorre: perguntam se eu sou argentino ou, na melhor das hipóteses, se eu não entendi a pergunta.  

Quando digo que não sou o maior fã de futebol, a conclusão é apenas uma: é argentino e, por vergonha, diz que é brasileiro.  

Essa semana, diante da convocação de vários jogadores brasileiros que atuam por estas bandas pelo técnico Dunga (o Dunga e o Gamarra sempre aparecem nas minhas observações futebolísticas, dizendo que se eles voltassem ao time, teríamos uma defesa melhor), perguntaram a minha opinião:  

- Pedrinho, o que tu acha do Grafite?!

Calmamente, sem entender muito bem, respondi:  

- Sempre gostei do 0.7 AB da Faber Castel. E tu?

Pronto. Lá se vão mais dois ex-amigos.  

sábado, 15 de maio de 2010

Frase (e charge) da semana

“No direito tributário vivenciamos a situação na qual pessoas que jamais pensaram em cometer um furto qualquer ou um roubo a banco estão perfeitamente dispostas a sonegar impostos.”

                                  Paul Kirchhof, Das Maß der Gerechtigkeit, 2009, p. 169.

(No original: Im Steuerrecht erleben wir, dass Menschen, die niemals auf den Gedanken kämen, einen Diebstahl oder einen Banküberfall zu begehen, zu einer Steuerhinterzehung durchaus bereit sind.)

Charge lá no Millôr

domingo, 9 de maio de 2010

Gris

Um colega, de quem há muito não tinha notícias, escreve-me perguntando como é a vida na Alemanha. Respondo, em e-mail longo, descrevendo as vantagens e desvantagens, algumas características e, claro, semelhanças e diferenças.  

Ontem, não conseguindo dormir, me arrependi profundamente da minha resposta. Se pudesse voltar atrás, responderia apenas:

- Cinza. A vida na Alemanha é cinza.  

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Foi só toda. Todinha.

dias passei por uma livraria de livros velhos. Não era um sebo, já que não se trata de livros usados. São livros novos, ainda não lidos, mas velhos. Que ninguém quer mais. Como ninguém os quer, são mais baratos. Logo, sendo mais baratos e niguém os querendo, eu compro.

Numa estante fiquei parado por mais ou menos uns 15 minutos, folheando três livros:  

- 1001 Lugares para se conhecer antes de morrer

- 1001 livros para ler antes de morrer

- 1001 álbuns para escutar antes de morrer

Minha perplexidade não foi por tudo que não visitei, li ou ouvi. Foi antes pela absoluta impossibilidade de fazê-lo a contento.

Tirando a pátria amada Passo Fundo, não posso dizer que conheço alguma oura cidade. Vivi em algumas outras, mas não as conheço. Não o suficiente para dizer se vale a pena ser conhecidano sentido forteou apenas visitada. Terminologias bobas à parte, conhecer 1001 lugares, nos diferentes continentes, não me parece algo realizável. Para além de questões temporais e financeiras. Quem se interessa por Paris – a maioriajamais vai se interessar por Bora-Bora. Quem se sente em casa nas Antilhas Holandesas, vai se horrorizar com Frankfurt. Quem gosta de Tóquio, não quer nem saber de Nairóbi. Quem gosta de Amsterdam pelos motivos certos vai detestar a Tailândia.   

De qualquer forma, dou de barato que alguém queira mesmo conhecer as 1001 localidades que o livro apresenta: some-se alguns dias de preparação, algumas horas de avião, mais algumas horas de aclimatação, um-dois dias para os passeios: temos uma semana, isso sem contar o retorno à vida normal. 1001 lugares =1001 semanas. se foram 20 anos, apenas conhecendo lugares novos.

Com 20 anos ocupados viajando, sobram alguns anos para os livros. 1001 livros para ler antes de morrer. E quem não gosta de ler? Tome-se, uma vez mais, de barato que a leitura é prazer para todos. Em quanto tempo se um livro? Por baixo, algumas horas. Por cima e no limite, alguns anos. Alguns livros sugeridos não consomem nem um dia, quando tanto algumas horas. Outros, pelo contrário, exigem dias, semanas e meses. Don Quijote em uma semana? Impossível. Crime e Castigo? Idem. Macbeth? Eu, limitado como sou, demorei um semestre inteiro. A Montanha Mágica? Comecei sete anos e ainda não acabei. (Pergunta: o Tratado de Direito Privado do Pontes de Miranda e a Barsa contam como um livro ?!?!*) Deixemos a média de 1 por semana. 1001 livros = 1001 semanas. se foram outros vinte anos.

Pior mesmo são aqueles que não constam da lista. Quanto tempo se leva para ler, realmente, Os Donos do Poder do Raymundo Faoro? Eu comecei e, infelizmente, nunca terminei. Um dia eu chego . E Paideia, do W. Jaeger? Eu comecei e, felizmente, não pretendo terminar.

E os 1001 discos? Coloquemos a média de 1 hora por disco. Temos 1001 horas. Chegamos à modesta soma de 6 semanas. Barbardinha, certo?! Até pode ser. Isso se nos sobrar tempo entre uma leitura e outra e, obviamente, entre as viagens. Afinal, quem quer escutar a Quinta Sinfonia de Beethoven com o barulho de uma turbina de avião na orelha... Melhor mesmo é ouvir a versao de My Way do Sid Vicious.

O que fazer? Eu sugiro conhecer 11 lugares bons e dos quais se goste muito. Como Paris. Ou Veneza. Ou Berlin. Ou Praga. Ou Londres. E, obviamente, Passo Fundo. E, nesses lugares, deve-se ler os 11 melhores livros (aqui a lista é absurdamente pessoal), escutando os 11 discos ou, quiça, as 11 músicas (três deveriam estar na lista de todo mundo: Gaúcho de Passo Fundo, do Teixeirinha,  briga feia entre Claire de Lune e Quarteto para cordas, andantin doucement expressif, do Debussy e Air auf der G-Saite, do Bach).  

Pedrinho, seu burro, a solução é fazer tudo junto ao mesmo tempo e misturado!, diriam os mais afoitos.

Eu, também afoitamente, respondo: e não é isso que todos nós fazemos?

Atualmente, coitadinhas!, até as crianças... 

(*) Essa pergunta me lembra o sketch do Bruno Aleixo  onde ele pergunta ao entrevistado quanto ele tinha lido na vida. O próprio Bruno sai com uma resposta genial: “Eu li mais de mil coisas. Mas atenção!, coisas inclui livros. E eu já li um dicionário. Nao estou a contar menu de restaurantes e  sms, como tu. E sabe quanto eu li da Enciclopédia Luso-Brasileira? Foi toda. Todinha. Na verdade li até o T.”

Tentando voltar

Os últimos meses não foram nada bons.  

Acontecimentos tristes e absurdos rechearam os meus dias que, por motivos pessoais, já andavam bastante corridos. Tenho convicção que, nesses momentos, diante de notícias inexplicáveis e absurdas, as palavras não ajudam muito. Obviamente que isso não justifica eu não ter escrito. Não justifica, mas explica, como diria “o outro”.  

Talvez, e o que me parece ser a maior verdade, eu não me sentia tão só, mesmo estando mais solitário do que nunca. Vai saber...

Uma certeza, contudo, fica: a de que é absolutamente impossível desejar a felicidade distante daqueles - e daquilo - que me fazem bem. Talvez alguns momentos de sóbria serenidade. Talvez. Mais não. É impossível. Como talvez o seja, também, essa desconhecida felicidade.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Frase da semana

Para acompanhar o frio que teima em não ir embora:

I don't know but I've been told/

eskimo pussy is mighty cold.

Gunnery Sargent Hartmann apud Kubrick, Stanley. Full Metal Jacket, EUA, 1987.  

Para ouvir a genial frase, clique aqui.

Entrando...

Conversa virtual com um grande amigo. Depois de algumas bobagens, caímos no já batido assunto da excessiva judicialização dos direitos sociais. Trocamos experiências comuns, alguns absurdos relatados por um amigo comum e, no final, uma mesma conclusão:

“Eu quero literalmente 'entrar na Justiça'. Vou tentar obrigar o estado a me fornecer uma prostituta chamada Têmis.“

Algum advogado se habilita?!  

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Os extremos e o centro

Noticia a Spiegel Online que hoje, dois dias antes do dia de São Valentino, houve uma manifestação "pacífica" de extrema-direita em Dresden em memória do ataque dos aliados à cidade há 65 anos. Chegava ao final a IIGM e os aliados, literalmente, trouxeram a cidade abaixo, que, segundo relatos e fotos, era ainda mais linda do que é hoje.  

A melhor parte do vídeo é a de um senhor discutindo com um policial, perguntando se ele acha correto aqueles seres repugnantes marcharem nas ruas. Ao que o policial, mantendo a fleuma e para desespero do sujeito, responde: Isso é a democracia.  

Não consigo imaginar resposta melhor. Um bando de malucos de cabeça raspada, querendo revisar a história – o que é crime por essas paragens – e um "cidadão de bem" que fica trancado no trânsito e não consegue chegar em casa.  

Essa é a imagem perfeita da democracia, na minha modestíssima opiniao. Os extremos têm todo o direito de se manifestar, mostrar seus (estúpidos) pontos de vistas e reivindicarem o que bem entenderem. De outro lado o cidadão comum, bem comum e nem sempre de bem,  que somente quer tocar a sua vida:  ir pro trabalho, buscar os filhos na escolinha de inglês e chegar rápido ao supermercado. No meio disso tudo, a democracia com porrete,  que, em situações ideais, serve pra todos: pra defender o cidadão "de bem" quando ele nao consegue chegar na escolinha por que teve seu carro roubado e, no caso de hoje, para proteger uma minoria ruidosa que teima em demonstrar a sua admiração por alguma bobagem qualquer.  

Isso me lembra de um filme – provavelmente um dos piores que já assisti* – chamado The Last Supper. Trata-se de um grupo de estudantes de pós-graduação, com a cabeça aberta e ideias progressistas dentro (e fora) dela que, por um acaso, no início, e intencionalmente, logo depois, recebem pessoas para partir o pão. Se as respostas dos convidados não satisfaz os "progressistas" eles têm uma solução: entregam um cálice de vinho envenenado ao convidado.  Assim, pensam eles, melhoram o mundo. 

A cada pessoa - contra o aborto ou contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo - morta, melhor fica o mundo. Mais perto do paraíso estaremos. Os diálogos deixam claro apenas uma coisa: aqueles estudantes creem que seus atos, já que se trata de pessoas que acreditam nas coisas erradas, estão legitimidados por um fim maior, por um bem supremo, pela consecução  do objetivo de qualquer sociedade: a felicidade, na estreita visão deles, geral. No final do filme, depois de muitos „reacionários“ e „republicanos“ mortos, um político daquilo que eles consideram a extrema direita da extrema direita é convidado e aceita: durante o jantar o sujeito diz que aquilo tudo, isto é, a sua defesa intransigente de idéias reacionárias e ultra-conservadoras, não passa de mise en scéne; que tudo é apenas retórica eleitoral e aqueles que detêm mesmo o poder estão no centro deste debate, nunca nos seus flancos, quer à direita, quer à esquerda.  Para espanto daqueles jovens que se julgavam superiores intelectual e moralmente a todos, diz: "Just a moron to believe that I really mean or endorse those ideas...". 

O final do filme (spoiler alert) é absurdo de tão ruim. Os estudantes progressistas não chegam a um acordo se devem matar o sujeito, dando-lhe o vinho envenenado ou se devem ir votar nele imediatamente. Eles saem para discutir essa importante questão e, antes de voltarem, o filme acaba... Uma pintura aparece com cinco pessoas deitadas ao redor de uma mesa e, em off, a voz do político dando mais um de seus discursos inflamados sobre a superioridade moral dos valores conservadores.  

Porque falar desse filme? Acredito que o vídeo da Spiegel traz exatamente isso: enquanto o pessoal da cabeça raspada reivindica a revisão da história, a superioridade racial, a expulsão das minorias, a extradição forçada de estrangeiros ou o que quer que seja em uma das pontas do debate político, do outro lado há uma esquerda não menos barulhenta reivindicando a instalação imediata do leninismo-trotskismo, do comunismo, do socialismo real, do maoísmo, polpotismo ou de qualquer destas vertentes. E o poder?! Bem, o poder está com esse cidadão que apenas quer cruzar a rua...  

* Uma das estrelas do filme é (uma jovem!) Cameron Diaz. Tá explicada a razão de eu ter visto o filme.  

** O que faz aquela cesta com tomates no início do texto, Pedrinho? Vejam o filme