quarta-feira, 16 de março de 2011

Entre autonomia, solidão, liberdade e individualismo



Lisbon Revisited

Álvaro de Campos (F.P.)
1923


Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.



Não me venham com conclusões! 
A única conclusão é morrer.


Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!)—
Das ciências, das artes, da civilização moderna!



Que mal fiz eu aos deuses todos?


Se têm a verdade, guardem-na!


Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?



Não me macem, por amor de Deus!


Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?



Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!



Ó céu azul -o mesmo da minha infância
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ô mágoa revisitada,
Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.



Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!




Estarei transferindo para estar podendo melhor lhe atender...

Conversa verídica agora há pouco:

Telefone toca.

Pedrinho: Alô.
Voz: Olá, Sr. Pedrinho, o senhor teria alguns minutos do seu tempo?
P.: Sim, claro. Sobre o que seria?
V.: Nosso banco de dados nos informa que o senhor costuma fazer ligações para o exterior.
P.: Sim. Para o Brasil.
V.: O senhor faz as suas ligações internacionais primariamente para o Brasil. Correto?
P.: Sim. Corretíssimo. Para o Brasil. E então, qual o motivo desta ligação?
V.: Eu ligo para lhe oferecer um novo pacote de serviços da o2 [empresa de telefone], pelo qual as suas ligações para o exterior custarão apenas 19 centavos por minuto. O senhor teria interesse?
P.: Claro. Teria bastante interesse.
V.: Ótimo. O senhor terá direito a cinco números cadastrados, para os quais o senhor ligará por 19 centavos o minuto, num custo máximo de 2,99 euros. Caso a ligação passe deste valor, o resto não será cobrado.
P. (já imaginando fazer ligações intermináveis): Ótimo. Gostaria de cadastrar 3 telefones fixos e 2 celulares, todos com prefixo 054, no Brasil.
V.: Brasil? O senhor disse Brasil, sr. Pedrinho?
P.: Sim. Brasil. O senhor sabe que minhas ligações internacionais são primariamente para o Brasil, para usar as suas próprias palavras.
V.: Um minuto, por favor.

Passam-se alguns segundos e o sujeito retorna.

V.: Caro sr. Pedrinho, infelizmente o Brasil ainda não está na lista de países disponíveis para a promoção. O sr. ainda teria interesse em cadastrar os números?
P.: Mas os números são do Brasil. Teria alguma vantagem em cadastra-los?
V.: Nao que eu consiga imaginar.
P.: Então, porque o sr. me ligou?
V.: Para lhe oferecer os benefícios da promoção, já que o sr. costuma ligar para o Brasil e isto é considerado, como o senhor sabe, uma ligação internacional. 
P.: Sim, ligo para o exterior. Para o Brasil, como o seu sistema pode lhe informar. Mas se a promoção não se aplica ao Brasil e consequentemente nao se aplica a mim, por que estamos tendo essa conversa?
V.: Em nome da o2, desejamos um confortável resto de quarta-feira. Ligaremos assim que o Brasil for incluído na lista de países.
P.: Por favor, não me liguem nunca mais.
V.: O sr. quer cancelar a sua linha?
P.: Não. Obviamente que não. Em momento algum eu disse isso. Eu não quero mais ser importunado por ligações sem sentido como essa.
V.: Desculpe, sr. Pedrinho, mas nós ligamos para lhe oferecer um benefício. Essa ligacao tem, obviamente, um sentido e uma boa intenção. 
P.: Que nao se aplica a mim. Ou?
V.: Hmmm. Hmmm... O sistema deve ter se equivocado. O sr. gostaria de fazer uma reclamação?
P.: Sim.
V.: Isso levará cerca de 10 minutos.
P.: Então não. Vielen Dank.
V.: Um bom resto de dia para o senhor.

Desligo. A única coisa que consegui pensar foi naquele policial que entrava nos sketchs do Monty Python quando a coisa começa a ficar non-sense demais.


O Mundo é um Moinho

A esperança, já disse aquele filósofo de bigode avantajado, é o pior dos males. Quando nos damos conta, a vida nos traz as piores surpresas. No meio das ruins há, obviamente, algumas boas. Que serão novamente seguidas de ruins. Esse mundo, tão mesquinho, reduz nossas ilusões a pó. 
O que importa, diriam alguns, é não desanimar e seguir sempre em frente.
O vídeo abaixo é um extrato de um documentário sobre o sambista Cartola e a relação conflituosa com o pai. Depois de 40 anos (sim!) eles se reencontram. O filho, ainda um pouco envergonhado, pergunta ao pai qual o samba que ele gostaria de ouvir. 
O pai, depois de quatro décadas, em uma primeira análise escolhe provavelmente o samba menos apropriado para o momento: 



Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés



Quarenta anos depois e o pai pede ao filho que cante: 
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó
(...)
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés



Pensando melhor, não existe samba mais apropriado. Fico cá imaginando a dor de um pai depois de perceber que passou boa parte da vida longe do filho: o mundo, esse moinho, triturou mesmo seus sonhos.
Para o Cartola, que, depois de se consagrar como sambista da Mangueira nas décadas de 20 e 30, virou lavador de carros e só voltou ao samba graças ao Stanislaw Ponte Preta, deve ter percebido, ali ao lado do pai cantando aquele samba, que estava à beira do abismo, abismo que cavou com os próprios pés.

A única conclusão que nos resta é concordar com o aquele maluco  e balançar a cabeça repetindo que a esperança, no homem, na vida, na humanidade, no futuro, ou em qualquer outra coisa, é, de fato, o pior dos males. A esperança em si mesmo, bem, essa pode ser redentora se de antemão soubermos que vamos fracassar ou ridícula se realmente acreditarmos que vamos "fazer a diferença"... 

terça-feira, 8 de março de 2011

Obrigado pelas Mortes

Ainda sobre o post anterior, interessante saber que a Suprema Corte americana decidiu há apenas alguns dias o caso da minúscula e irrelevante Igreja de Westboro.

Para os que não sabem, faco um pequeno resumo: trata-se de uma irrelevantíssima igreja americana, fundada e mantida por um fundamentalista que mantém um site chamado (já traduzido) deusodeiabichas.com. A palavra utilizada é “fags”, que eu traduzi por bichas; pode ser veado também. O que  importa é que se trata de um termo pejorativo para designar os homossexuais masculinos.

O site da Igreja é esse mesmo. Não satisfeito com esse truque, o pastor e seus pouquíssimos fiéis decidiram apelar para uma tática um tanto mais espalhafatosa, para dizer o mínimo. Começaram a fazer protestos e demonstrações em funerais. Isso mesmo, iam aos funerais com placas, bandeiras e megafones, dizendo que as mortes eram o resultado de uma praga divina que assomava os Estado Unidos em função dos inúmeros pecados, em especial a tolerância com a homossexualidade. Enfim, coisa de maluco fundamentalista.

Eles forma processados pela família de um militar americano que havia sido morto no Iraque e em cujo funeral o pastor e os fiéias foram fazer a sua pregação absurda. O processo foi julgado procedente para a família do militar morto e a Igreja foi condenada a pagar uma indenização milionária.

O processo foi subindo as instâncias até chegar na Supreme Court por uma razao muito sensível do direito constitucional americano: a liberdade de expressao da primeira emenda, o que eles chama de freedom of speech.

(Antes que se passe para a decisao da Suprema Corte, é interessante notar que um dos últimos protestos feitos pela Igreja foi no funeral de uma menina de 9 anos (!!!) que havia sido morta a tiros, com placas com dizeres de que ela estaria melhor morta do que vivendo num país como os Estados Unidos que permitia todos aqueles pecados. Ponto. Parágrafo.)

A Suprema Corte, por oito votos a um, decidiu que, sim, os protestos e manifestações da Igreja estavam protegidos pela liberdade de expressao e que a Igreja não poderia ser condenada a pagar indenizações em função da exteriorizacao de uma opiniao.

Uma das partes mais interessantes é o parágrafo final do Chief Justice (equivalente ao nosso Ministro do STF) Roberts, que foi o relator do caso:

Speech is powerful. It can stir people to action, move them to tears of both joy and sorrow, and—as it did here— inflict great pain. On the facts before us, we cannot react to that pain by punishing the speaker. As a Nation we have chosen a different course—to protect even hurtful speech on public issues to ensure that we do not stifle public debate.
(Tradução Livre: O discurso é poderoso. Ele pode levar as pessoas a agir, causar lágrimas tanto de alegria quanto de tristeza e - como é o caso - causar muita dor. Nos fatos que temos presentes, nao podemos reagir à dor punindo o emissor do discurso. Como nação nós decidimos um caminho diferente - o de proteger até mesmo o discurso sobre questões públicas que tragam dor, para garantir que não se sufoque o debate público.) 

Obviamente que o caso é complexo, conflituoso e polêmico. Alguns fundamentalistas religiosos desrespeitam claramente a dor das outras pessoas para defender uma bandeira esdrúxula. Mas, veja-se bem, isso não estava em jogo para o Tribunal. A discussão toda era saber se a liberdade de expressão valia também para casos extremos como os descritos nos processos contra a Igreja.

O que eu penso disso tudo? Ainda não sei... Sou um árduo defensor da liberdade, como todos sabem e acho mesmo que a expressão deve ser livre, independentemente das sensibilidades feridas (isso valendo muito especialmente para políticos e personalidades públicas). Mesmo assim, tendo a achar que “atacar” um velório de uma menina de 9 anos já é demais. Ou não. 

-> O título é uma tradução de um dos cartazes mais utilizados pela dita Igreja. Pois é... 

Para os que têm tempo e interesse o caso é Snyder vs. Phelps