sábado, 13 de fevereiro de 2010

Frase da semana

Para acompanhar o frio que teima em não ir embora:

I don't know but I've been told/

eskimo pussy is mighty cold.

Gunnery Sargent Hartmann apud Kubrick, Stanley. Full Metal Jacket, EUA, 1987.  

Para ouvir a genial frase, clique aqui.

Entrando...

Conversa virtual com um grande amigo. Depois de algumas bobagens, caímos no já batido assunto da excessiva judicialização dos direitos sociais. Trocamos experiências comuns, alguns absurdos relatados por um amigo comum e, no final, uma mesma conclusão:

“Eu quero literalmente 'entrar na Justiça'. Vou tentar obrigar o estado a me fornecer uma prostituta chamada Têmis.“

Algum advogado se habilita?!  

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Os extremos e o centro

Noticia a Spiegel Online que hoje, dois dias antes do dia de São Valentino, houve uma manifestação "pacífica" de extrema-direita em Dresden em memória do ataque dos aliados à cidade há 65 anos. Chegava ao final a IIGM e os aliados, literalmente, trouxeram a cidade abaixo, que, segundo relatos e fotos, era ainda mais linda do que é hoje.  

A melhor parte do vídeo é a de um senhor discutindo com um policial, perguntando se ele acha correto aqueles seres repugnantes marcharem nas ruas. Ao que o policial, mantendo a fleuma e para desespero do sujeito, responde: Isso é a democracia.  

Não consigo imaginar resposta melhor. Um bando de malucos de cabeça raspada, querendo revisar a história – o que é crime por essas paragens – e um "cidadão de bem" que fica trancado no trânsito e não consegue chegar em casa.  

Essa é a imagem perfeita da democracia, na minha modestíssima opiniao. Os extremos têm todo o direito de se manifestar, mostrar seus (estúpidos) pontos de vistas e reivindicarem o que bem entenderem. De outro lado o cidadão comum, bem comum e nem sempre de bem,  que somente quer tocar a sua vida:  ir pro trabalho, buscar os filhos na escolinha de inglês e chegar rápido ao supermercado. No meio disso tudo, a democracia com porrete,  que, em situações ideais, serve pra todos: pra defender o cidadão "de bem" quando ele nao consegue chegar na escolinha por que teve seu carro roubado e, no caso de hoje, para proteger uma minoria ruidosa que teima em demonstrar a sua admiração por alguma bobagem qualquer.  

Isso me lembra de um filme – provavelmente um dos piores que já assisti* – chamado The Last Supper. Trata-se de um grupo de estudantes de pós-graduação, com a cabeça aberta e ideias progressistas dentro (e fora) dela que, por um acaso, no início, e intencionalmente, logo depois, recebem pessoas para partir o pão. Se as respostas dos convidados não satisfaz os "progressistas" eles têm uma solução: entregam um cálice de vinho envenenado ao convidado.  Assim, pensam eles, melhoram o mundo. 

A cada pessoa - contra o aborto ou contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo - morta, melhor fica o mundo. Mais perto do paraíso estaremos. Os diálogos deixam claro apenas uma coisa: aqueles estudantes creem que seus atos, já que se trata de pessoas que acreditam nas coisas erradas, estão legitimidados por um fim maior, por um bem supremo, pela consecução  do objetivo de qualquer sociedade: a felicidade, na estreita visão deles, geral. No final do filme, depois de muitos „reacionários“ e „republicanos“ mortos, um político daquilo que eles consideram a extrema direita da extrema direita é convidado e aceita: durante o jantar o sujeito diz que aquilo tudo, isto é, a sua defesa intransigente de idéias reacionárias e ultra-conservadoras, não passa de mise en scéne; que tudo é apenas retórica eleitoral e aqueles que detêm mesmo o poder estão no centro deste debate, nunca nos seus flancos, quer à direita, quer à esquerda.  Para espanto daqueles jovens que se julgavam superiores intelectual e moralmente a todos, diz: "Just a moron to believe that I really mean or endorse those ideas...". 

O final do filme (spoiler alert) é absurdo de tão ruim. Os estudantes progressistas não chegam a um acordo se devem matar o sujeito, dando-lhe o vinho envenenado ou se devem ir votar nele imediatamente. Eles saem para discutir essa importante questão e, antes de voltarem, o filme acaba... Uma pintura aparece com cinco pessoas deitadas ao redor de uma mesa e, em off, a voz do político dando mais um de seus discursos inflamados sobre a superioridade moral dos valores conservadores.  

Porque falar desse filme? Acredito que o vídeo da Spiegel traz exatamente isso: enquanto o pessoal da cabeça raspada reivindica a revisão da história, a superioridade racial, a expulsão das minorias, a extradição forçada de estrangeiros ou o que quer que seja em uma das pontas do debate político, do outro lado há uma esquerda não menos barulhenta reivindicando a instalação imediata do leninismo-trotskismo, do comunismo, do socialismo real, do maoísmo, polpotismo ou de qualquer destas vertentes. E o poder?! Bem, o poder está com esse cidadão que apenas quer cruzar a rua...  

* Uma das estrelas do filme é (uma jovem!) Cameron Diaz. Tá explicada a razão de eu ter visto o filme.  

** O que faz aquela cesta com tomates no início do texto, Pedrinho? Vejam o filme

"O Leitor" do passado

Bernhard Schlink é um escritor que está na moda. Ele é o autor d'O Leitor, transformado em filme há uns tempos; também é professor de direito público e filosofia do direito na Universidade de Berlin. Além de romancista consagrado, é autor de livros interessantíssimos de direito constitucional – aí incluído um dos mais bem-sucedidos Manuais de Direito do Estado (Direitos Fundamentais), em co-autoria com Bodo Pieroth – e de monografias, ensaios e estudos de teoria e filosofia do direito e direito público em geral.

Dias atrás, num sebo, esbarrei com um livrinho dele de título interessante: "Vergangenheitsschuld und gegenwärtiges Recht" que em uma tradução livre seria algo como Culpa pelo passado e direito atual.

Em um dos ensaios que compõe o livro, intitulado Estado de Direito e Justiça revolucionária, ele trata da tentativa de tratamento penal dado aos crimes cometidos na parte comunista da Alemanha. Traduzo um pequeno excerto:

"A hora da Justiça revolucionária passou. A normalidade do estado de direito compreende a proibição de retroatividade e exclui o tratamento jurídico penal do passado comunista, como aconteceu à época. Eu acredito que isso está baseado não apenas na racionalidade jurídica, mas também na racionalidade política. Existe na Alemanha unificada coisas mais importantes e prementes do que mais processos penais."

(No original: "Die Stunde der revolutionäre Gerechtigkeit ist vorbei. Die rechtsstaatliche Normalität schließt das Rückwirkungsverbot ein und die strafrechtliche Bewältigung der kommunistischen Vergangenheit, wie sie derzeit stattfindet, aus. Ich meine, dies liegt nicht nur im Sinne rechtlicher, sondern ebenso im Sinne politischer Vernunft. Es gibt in geeinten Deutschland Wichtigeres und Drängenderes als weitere Strafprozesse". Bernhard Schlinck, Rechtsstaat und revolutionäre Gerechtigkeit. In: Vergangenheistschuld und gegenwärtiges Recht. Suhrkamp, 2002, p. 60.)

Pois é.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Barbuda e Vesga

Estava eu aqui, lendo as bobagens que eu escrevi neste blog e, ao mesmo tempo, tentando ler as principais notícias para tentar me manter atualizado. 

Há três minutos esbarrei nessa notícia aqui. Ato contínuo pensei no Mustafá. As coisas podem ser mais simples do que eu pensei... 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

E quem decide o „tudo“?

Vale tudo pela fama?! O problema, como fica claro no título, é a definição do “tudo”. 

Acabo de ler essa notícia, afirmando que há um Projeto de Lei que "proíbe as emissoras de rádio e TV de transmitirem situações e cenas que atentem contra a dignidade humana".  Maravilha. Desconheço qualquer pessoa que seja contra a proteção da dignidade humana. Se algum dos meus 3 leitores conhecer alguém, pode chamar de estúpido e dizer que o Pedrinho mandou.

O cerne, contudo, não é esse. O centro problemático é a definição de dignidade humana e o que ela protege ou deveria proteger.

Uma mãe que se expõe no "Ratinho" a fazer um exame de DNA para descobrir se o pai do seu filho é o João, o Jorge, o Carlos, o Roberto, o Wanderson ou o Cleiton está ofendendo a sua dignidade humana?  

Uma mulher de 28 anos que, com aspirações artísticas, exibe-se semi-nua na televisão viola a sua dignidade humana? E uma de 18?! E uma 78?!

Um sujeito absurdamente feio que se submete a ser motivo de piada está ofendendo a sua dignidade humana?  

Alguém que come grilos, minhocas, olhos de cabra, e o que mais, está ofendendo a sua dignidade?

E, por fim, alguém que se tinge de prata e sai por aí a dançar de sunga está ofendendo a sua dignidade?!  

Onde está o tudo aí?! Qual é o limite do tudo?! Onde se dá o ponto na linha? Esses tudo descritos acima ofendem a "dignidade da pessoa humana"? 

Certo é que tirando crianças e pessoas incapazes de expressar validamente a sua vontade, aqueles com capacidade jurídica para tanto devem ser (e são!) livres para fazer o que quiserem, desde que não firam direitos de terceiros e não violem as condições gerais de convivência civilizada.

O que não se pode aceitar, contudo, é que um projeto de lei, utilizando-se de um conceito absurdamente vago, venha tentar dizer o que pode e o que não pode ser feito por um adulto, capaz de tomar as próprias decisões. Em última instância, esse adulto pode acreditar que a sua dignidade humana não vale nada e se matar. Ou não pode?!

Não se pode esquecer, e seria bom lembrar os nossos legisladores, que uma das facetas da dignidade humana é fazer uso do que ela mesmo é. Confuso?! Pois é... Se uma das facetas da dignidade humana é, digamos, o direito à intimidade, a concretização da dignidade humana pode se dar pelo próprio exercício desse direito à intimidade, de forma positiva ou negativa. Se quero proteger a minha intimidade, a dignidade humana me dá suporte, na forma positiva. Se quero abrir mao desse meu direito à intimidade, a dignidade humana está lá, auxiliando no seu lado negativo. Pegue-se o exemplo da menina de 28 anos que se exibe em rede nacional: e se ela não souber fazer mais anda além disso?! Restringir a sua "única" atividade não seria violar a sua digidnidade? E se o seu grande sonho é ficar conhecida pelo corpo?! Proibi-la de atingir esse sonho não seria violar a sua dignidade?!

Se uma das facetas da dignidade é não ser submetido a tratamento cruel, a pessoa que se auto-submete a um tratamento que, para a maioria seria considerado cruel está dizendo, no uso da sua dignidade em conjunto com a sua liberdade, que aquele tratamento, para ele/ela não é cruel. As opções sexuais não ortodoxas (sadomasoquismo e quejandos) são um belo exemplo. E se o sujeito não consegue ser feliz sem apanhar?! Restringir esse seu direito à felicidade não seria violar a sua dignidade?! (Ouvi dizer que há um livro sobre isso a ser publicado em breve...)

O que pode se discutir, e isso são outros duzentos e cinquenta, são os padrões e regras para a televisão aberta. A Constituição tem as suas regras sobre isso. Agora, tentar limitar a programação com base na dignidade humana é complicado, para dizer o mínimo.  

Ao fim e ao cabo, esses projetos têm apenas uma coisa em comum: o paternalismo. Esse paternalismo que acredita que as pessoas não podem tomar as decisões por si mesmas. O paternalismo que acredita que as pessoas são incapazes de decidir o que lhes faz bem.  O paternalismo que acredita que adultos capazes de todos os outros atos da vida civil/penal, inclusive o de votar, são incapazes de decidir como devem usar de sua liberdade para conformar a sua própria vida. Enfim, que precisam de um "pai“ acima delas dizendo o que pode ou não ser feito. Não nos esquecamos que "quando os cidadãos são tratados como crianças, convém lembrar que as crianças não são anjos", como bem lembrou aquele português.  

* Essa discussão sempre me faz lembrar de um filme (documentário?) sobre o Jerry Springer, aquele sujeito que leva as pessoas para brigar no seu programa de televisão há quase 20 anos. Numa cena, depois de se expor ao ridículo de apanhar da sua mulher, o sujeito responde a entrevistadora que o havia perguntado o porquê dele estar ali se submetendo aquilo: „I´m on TV, bitch! Now I´ll be famous in my neighborhood and that's the best damn thing that has ever happened to me in my whole fucking life...“

Em uma vida recheada de privações, dificuldades e humilhações não públicas e não publicadas, se deixar humilhar publicamente é a própria concretização desta tal de „dignidade humana“... Sad, so very sad, but true!