segunda-feira, 17 de maio de 2010

0.7

Um "putaquepariu!" em uníssono foi o que ocorreu quando os dois doutorandos alemães que sentam na minha frente leram a notícia que eu havia mandado por e-mail:

Ballack, o astro do time, não vai para a África do Sul

Durante um jogo pela final do campeonato inglês o craque foi atingido por outro jogador, Kevin-Prince Boateng. Detalhe: Boateng é meio alemão, meio ganês. Já tendo sido convocado para a Copa pela seleção de Gana, o sujeito vai lá e dá uma entrada criminosa no astro do time alemão.  

Detalhe importantíssimo: Gana enfrentará a Alemanha na primeira fase da Copa.

Intencional!, gritam todos. Os jornais não escrevem claramente, mas todo mundo repete: o ganês machucou intencionalmente o melhor jogador alemão.

E agora?  

Agora nada. Balack recusou o pedido de desculpas do companheiro alemão-ganês e bancou o resignado: „Estou furioso, mas futebol é assim. Essas coisas acontecem“, disse ao Zeit. Oito semanas ao mínimo de recuperação e uma Copa do Mundo a menos no curriculum.

Para mim, felizmente, não muda muito. Nunca gostei muito de futebol e não será agora que vou começar. Sou colorado por forca do hábito e pressão do meu pai e do meu irmão. Assisto aos jogos, mas não posso dizer que sou um entusiasta do esporte bretão. Nunca acompanhei de perto nenhum time, nem mesmo um campeonato. Quando a conversa vai para futebol, das duas uma: fico quieto, pensando em alguma coisa e fazendo cara de interessado, ou participo ativamente, falando coisas como “mas aquele jogador, como é mesmo nome dele?, joga muita bola!” ou “com essa formação não vai dar! Temos que ir pro 2-5-3.” A que eu mais gosto, no entanto, é quando eu sei o nome do craque do time: “Cara, o técnico tem que urgentemente tirar o Fulano, ele tá afundando o time!”.  

Risos nervosos e gritos de "ignorante", "burro", "viado", etc, etc. Já ouvi de tudo. Uma variante dessa é clamar pelo retorno de um craque do passado. Essa também funciona sempre e, na maioria dos casos, minhas observações são acompanhadas de um grito de “tu não entende nada de futebol mesmo, seu boca aberta!”.  

Porque essa história toda? Apenas um gancho arbitrário que me fez lembrar da relativa importância do futebol na minha vida.  

Brasileiro que sou, qualquer pessoa que cruza comigo sempre tem a presunção de que eu amo futebol e, pior, que eu jogo futebol muito bem. Já em tenra idade (ui!) morando em outro país, todos me convidavam para jogar futebol ou, como eles diziam, soccer. Eu ia de bom grado. Fazer amigos não era a atividade mais simples e um esporte coletivo me ajudaria nessa empreitada.  

Logo nos primeiros minutos eles percebiam que não estavam diante um novo Garrincha, Zico, Falcão ou Ronaldinho Gaúcho. Quando muito diante de um daqueles zagueiros esforçados, mas que só sabem chutar a bola pra frente ou pra fora. Depois de não receber o terceiro convite ficou claro: não fiz os amigos que achei que faria e, terror!, perdi os poucos que já tinha feito. Tudo em função de ser um brasileiro que não joga futebol.  

Agora, em idade provecta (calma, calma...) acontece o mesmo: os alemães perguntam a minha opinião sobre jogadores brasileiros que atuam por aqui. Silêncio meu. Sinto os olhares inquietos esperando um análise detida sobre as qualidades e defeitos dos jogadores brasileiros. Mais silêncio. Depois de alguns minutos me olhando, uma de duas coisas ocorre: perguntam se eu sou argentino ou, na melhor das hipóteses, se eu não entendi a pergunta.  

Quando digo que não sou o maior fã de futebol, a conclusão é apenas uma: é argentino e, por vergonha, diz que é brasileiro.  

Essa semana, diante da convocação de vários jogadores brasileiros que atuam por estas bandas pelo técnico Dunga (o Dunga e o Gamarra sempre aparecem nas minhas observações futebolísticas, dizendo que se eles voltassem ao time, teríamos uma defesa melhor), perguntaram a minha opinião:  

- Pedrinho, o que tu acha do Grafite?!

Calmamente, sem entender muito bem, respondi:  

- Sempre gostei do 0.7 AB da Faber Castel. E tu?

Pronto. Lá se vão mais dois ex-amigos.