A esperança, já disse aquele filósofo de bigode avantajado, é o pior dos males. Quando nos damos conta, a vida nos traz as piores surpresas. No meio das ruins há, obviamente, algumas boas. Que serão novamente seguidas de ruins. Esse mundo, tão mesquinho, reduz nossas ilusões a pó.
O que importa, diriam alguns, é não desanimar e seguir sempre em frente.
O vídeo abaixo é um extrato de um documentário sobre o sambista Cartola e a relação conflituosa com o pai. Depois de 40 anos (sim!) eles se reencontram. O filho, ainda um pouco envergonhado, pergunta ao pai qual o samba que ele gostaria de ouvir.
O pai, depois de quatro décadas, em uma primeira análise escolhe provavelmente o samba menos apropriado para o momento:
Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés
Quarenta anos depois e o pai pede ao filho que cante:
Preste atenção, o mundo é um moinhoVai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó
(...)
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés
Pensando melhor, não existe samba mais apropriado. Fico cá imaginando a dor de um pai depois de perceber que passou boa parte da vida longe do filho: o mundo, esse moinho, triturou mesmo seus sonhos.
Para o Cartola, que, depois de se consagrar como sambista da Mangueira nas décadas de 20 e 30, virou lavador de carros e só voltou ao samba graças ao Stanislaw Ponte Preta, deve ter percebido, ali ao lado do pai cantando aquele samba, que estava à beira do abismo, abismo que cavou com os próprios pés.
A única conclusão que nos resta é concordar com o aquele maluco e balançar a cabeça repetindo que a esperança, no homem, na vida, na humanidade, no futuro, ou em qualquer outra coisa, é, de fato, o pior dos males. A esperança em si mesmo, bem, essa pode ser redentora se de antemão soubermos que vamos fracassar ou ridícula se realmente acreditarmos que vamos "fazer a diferença"...