terça-feira, 8 de março de 2011

Obrigado pelas Mortes

Ainda sobre o post anterior, interessante saber que a Suprema Corte americana decidiu há apenas alguns dias o caso da minúscula e irrelevante Igreja de Westboro.

Para os que não sabem, faco um pequeno resumo: trata-se de uma irrelevantíssima igreja americana, fundada e mantida por um fundamentalista que mantém um site chamado (já traduzido) deusodeiabichas.com. A palavra utilizada é “fags”, que eu traduzi por bichas; pode ser veado também. O que  importa é que se trata de um termo pejorativo para designar os homossexuais masculinos.

O site da Igreja é esse mesmo. Não satisfeito com esse truque, o pastor e seus pouquíssimos fiéis decidiram apelar para uma tática um tanto mais espalhafatosa, para dizer o mínimo. Começaram a fazer protestos e demonstrações em funerais. Isso mesmo, iam aos funerais com placas, bandeiras e megafones, dizendo que as mortes eram o resultado de uma praga divina que assomava os Estado Unidos em função dos inúmeros pecados, em especial a tolerância com a homossexualidade. Enfim, coisa de maluco fundamentalista.

Eles forma processados pela família de um militar americano que havia sido morto no Iraque e em cujo funeral o pastor e os fiéias foram fazer a sua pregação absurda. O processo foi julgado procedente para a família do militar morto e a Igreja foi condenada a pagar uma indenização milionária.

O processo foi subindo as instâncias até chegar na Supreme Court por uma razao muito sensível do direito constitucional americano: a liberdade de expressao da primeira emenda, o que eles chama de freedom of speech.

(Antes que se passe para a decisao da Suprema Corte, é interessante notar que um dos últimos protestos feitos pela Igreja foi no funeral de uma menina de 9 anos (!!!) que havia sido morta a tiros, com placas com dizeres de que ela estaria melhor morta do que vivendo num país como os Estados Unidos que permitia todos aqueles pecados. Ponto. Parágrafo.)

A Suprema Corte, por oito votos a um, decidiu que, sim, os protestos e manifestações da Igreja estavam protegidos pela liberdade de expressao e que a Igreja não poderia ser condenada a pagar indenizações em função da exteriorizacao de uma opiniao.

Uma das partes mais interessantes é o parágrafo final do Chief Justice (equivalente ao nosso Ministro do STF) Roberts, que foi o relator do caso:

Speech is powerful. It can stir people to action, move them to tears of both joy and sorrow, and—as it did here— inflict great pain. On the facts before us, we cannot react to that pain by punishing the speaker. As a Nation we have chosen a different course—to protect even hurtful speech on public issues to ensure that we do not stifle public debate.
(Tradução Livre: O discurso é poderoso. Ele pode levar as pessoas a agir, causar lágrimas tanto de alegria quanto de tristeza e - como é o caso - causar muita dor. Nos fatos que temos presentes, nao podemos reagir à dor punindo o emissor do discurso. Como nação nós decidimos um caminho diferente - o de proteger até mesmo o discurso sobre questões públicas que tragam dor, para garantir que não se sufoque o debate público.) 

Obviamente que o caso é complexo, conflituoso e polêmico. Alguns fundamentalistas religiosos desrespeitam claramente a dor das outras pessoas para defender uma bandeira esdrúxula. Mas, veja-se bem, isso não estava em jogo para o Tribunal. A discussão toda era saber se a liberdade de expressão valia também para casos extremos como os descritos nos processos contra a Igreja.

O que eu penso disso tudo? Ainda não sei... Sou um árduo defensor da liberdade, como todos sabem e acho mesmo que a expressão deve ser livre, independentemente das sensibilidades feridas (isso valendo muito especialmente para políticos e personalidades públicas). Mesmo assim, tendo a achar que “atacar” um velório de uma menina de 9 anos já é demais. Ou não. 

-> O título é uma tradução de um dos cartazes mais utilizados pela dita Igreja. Pois é... 

Para os que têm tempo e interesse o caso é Snyder vs. Phelps