segunda-feira, 30 de abril de 2012

Almoçar sozinho


Hoje era um dia em que eu queria estar perto; e eu estou longe. Muito longe. Longe demais. 
Há uns meses, um conhecido me disse que há uma glorificação e galmourização dos doutorados e dos doutorandos no exterior. As pessoas que os fazem aumentam as dificuldades vivenciadas e experimentadas para não parecerem que passam bem e mascarar a realidade: a vida de um doutorando no exterior é uma maravilha. Os que veem (acento?) de fora teriam, segundo ele, uma visão menos deturpada, de observadores isentos e enxergariam a verdadeira rotina: muitas festas, algum estudo e uma vida mansa. Nada mais errado. Nada mais errado. 
A vida de um doutorando no exterior não tem nada de glamour. Nada. É um sofrimento só. Falo não da perspectiva do observador, mas do partícipe. Eu sou um desses, cuja vida é uma ausência completa de glamour. Passo os dias enfurnado numa salinha, envolto por livros, cópias e cabos de computador. Algumas fotos de família estão num canto. E nada mais. Moro em um quarto e sala, sozinho, sem televisão. Faço quase todas as minhas refeições no RU, que, apesar de ser um dos melhores da Alemanha, continua sendo um RU. Tudo tem o mesmo gosto. Comer brócolis, carne, alface, frango, arroz ou batata frita não faz nenhuma diferença. Tudo tem o mesmo gosto que eu, carinhosamente, digo que é gosto de chuchu sem sal. Além disso, a maioria dessas refeições é feita solitariamente. Só quem come sozinho, sabe a tristeza que isso representa. As poucas refeições feitas na companhia de amigos são comemoradas como se fossem uma indicação para um Prêmio Nobel. 
Se aquele seu amigo veio fazer mestrado ou doutorado e passa os dias no Facebook postando fotos de lugares legais, de festas e de novos amigos, pode ter certeza: não está fazendo porra nenhuma. Doutorado é sofrimento; mestrado é renúncia. Sofrimento longe de quem nos faz bem; renúncia longe do que nos faz bem. 
Hoje à noite recebi mais uma notícia triste. Mais uma para o manancial que recebi nesses últimos três anos. Perdi gente que eu amava e que era muito amada por quem eu amo. Sofri por doenças de pessoas que eu amo mais do que a mim mesmo. Sofri com doenças que eu tive, provocadas pelo meu desleixo. E tudo isso a quase 10.000 quilômetros de distancia. Sem um abraço, sem um afago, sem um carinho. 
Nada. 
Se almoçar e jantar sozinho, todos os dias, já é complicado, imagine receber a notícia que um ente querido está doente. Ou escutar a voz triste da mulher amada. Ou do pai amado. E da mãe amada. Ou de um amigo que só queria sair tomar uma cerveja e jogar conversa fora. 
Glamour? Não existe, como eu dizia. 


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Update: Recebi algumas ligações e mensagens preocupadas, perguntando-me se há alguém doente na família. Não. Não há. Agradeço a preocupação e as mensagens e ligações, mas, por favor, não levem o que eu escrevo aqui tão a sério. Esse é, afinal, um blog de humor.