Imagine a
cena: um caixa de supermercado, no final do expediente, pede a carteira de
identidade de uma menina chinesa que parecia ter menos de 16 anos (a idade
mínima para comprar cerveja). A chinesa não entende e começa a falar uma
estranha língua, onde se consegue entender, entre sons esquisitos, algumas
palavras em inglês. Rapidamente
se nota que ela tenta falar inglês e não consegue. A caixa, constrangida, fala
apenas alemão. Ambas olham para o sujeito que está esperando (um doce para quem
acertar quem era) e pedem, imploram ajuda com o olhar.
Eu,
solícito, retiro meus fones de ouvido - que me separam de qualquer possibilidade
de convivência -, e pergunto (em inglês) à chinesa se ela tem um documento de
identidade. Ela me olha, processa aquelas palavras, sorri e balança a cabeça
afirmativamente. Eu digo, então, à senhora do caixa que ela, sim, tem um documento de identidade. Ambos
esperamos. A chinesa também espera. Passados alguns segundos constrangedores,
torno a perguntar. A chinesa concorda mais uma vez. A caixa, impaciente, começa
a chamar o gerente pelo alto-falante.
Tenho uma
ideia genial: retiro o meu passaporte da mochila e mostro pra ela. Uma lâmpada
metafórica acende-se sobre a cabeça da chinesa e ela retira o seu passaporte da
mochila e me mostra. Confiro algumas datas e vejo que consta: 30-01-1987.
Mostro o meu passaporte à caixa, como que ensinando à chinesa o que ela deveria
ter feito desde sempre. Ela, bastante desconfiada, faz o mesmo. A caixa me
olha, balança a cabeça, me pergunta quantos anos ela tem e se eu achava que o
passaporte era falsificado. Nisso chega o gerente e escuta apenas as palavras
mágicas: passaporte falsificado. Ele começa a vociferar contra a chinesa,
dizendo que ia chamar a polícia federal, que ela não poderia fazer isso apenas
para comprar cerveja. A chinesa deu de ombros. Como ela não entendia nada do
que estava sendo falado, aquele senhor poderia estar gritando comigo. Ou com a
caixa. Ou mesmo com ela, mas isso não importava.
Explicada a
situação ao gerente, a chinesa entrega uma nota de 20 euros, recebe (e
confere!) o seu troco e vai-se embora. Até aqui já seria uma história engraçada
de contar aos amigos durante aqueles almoços monótonos e sem assunto. Mas a
vida é uma caixinha de surpresas, para citar um famoso sketch humorístico.
Enquanto eu me preparava para digitar a senha do meu cartão, para pagar pelas
minhas comprar (salada, peito de frango e 7 caixinhas de morangos congelados,
para os curiosos) a chinesinha de 25 anos, com cara de pré-adolescente volta,
se mete na minha frente e começa a gritar as palavras (sons?) que dão título ao
post:
- I – Seven - Nine –
Pay – No, No, No.
- I – Seven - Nine –
Pay – No, No, No.
- I – Seven - Nine –
Pay – No, No, No.
A caixa me
olha. Eu olho pra caixa. Ambos olhamos pra chinesa. Ela está furiosa. Ela segura um
quilo de farinha na mão e grita:
- I – Seven - Nine –
Pay – No, No, No.
- I – Seven - Nine –
Pay – No, No, No.
Tentando
ajudar, olho pra chinesa e pergunto: - What
happened?
Ela me
olha, como se quisesse me matar com olhos, já achando que eu faço parte do
staff do supermercado e grita ainda mais alto:
- I – Seven - Nine –
Pay – No, No, No.
Ela toma mais
um fôlego, pensa da Amy Winehouse, e grita de novo:
No, No, No.
Seven. Nine. Pay. No, No, No.
Eu,
tentando me desvencilhar daquela confusão, os outros clientes já me olhando,
pensando que eu tinha xingado a chinesa, a caixa nos olhando, pensando que
estava sendo gravada para a versão alemã da Pegadinha do Mallandro (rá-yeah-yeah) a
chinesa gritando: No. No. Seven. Nine. E mostrando aquele saco de farinha.
Percebo que
ela não concorda com o que pagou pela farinha. Que há um desencontro entre o preço
apontado na prateleira e o preço que ela pagou. Tento acalmar e digo:
- Ok. I
understand your predicament. You paid one euro and seventy-nine cents for this flour. How much
do you think you should have paid?
Percebo que
a frase está um pouco complexa. Reformulo:
- You seven
nine. How much you pay?- pergunto como se fosse o Tarzan recém aprendendo a
falar. Ou a Chita.
Ela me olha
e diz: - I pay one four nine. No seven nine. Too much. Too much.
Respiro
fundo, olho pra caixa e explico a situação. A caixa me olha, incrédula, e
pergunta o que ela deve fazer. Eu olho pra ela e digo: - Chama o gerente.
Rapidamente
saio do supermercado, monto na minha bicicleta e venho pra casa. No caminho me
sinto culpado por ter abandonado a chinesa no supermercado, reclamando os seus
trinta centavos. Só espero
que o gerente não chame a polícia.
Chego em
casa, sento para escrever este texto com apenas um pensamento na cabeça: eu sou
uma pessoa ruim.