sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Os extremos e o centro

Noticia a Spiegel Online que hoje, dois dias antes do dia de São Valentino, houve uma manifestação "pacífica" de extrema-direita em Dresden em memória do ataque dos aliados à cidade há 65 anos. Chegava ao final a IIGM e os aliados, literalmente, trouxeram a cidade abaixo, que, segundo relatos e fotos, era ainda mais linda do que é hoje.  

A melhor parte do vídeo é a de um senhor discutindo com um policial, perguntando se ele acha correto aqueles seres repugnantes marcharem nas ruas. Ao que o policial, mantendo a fleuma e para desespero do sujeito, responde: Isso é a democracia.  

Não consigo imaginar resposta melhor. Um bando de malucos de cabeça raspada, querendo revisar a história – o que é crime por essas paragens – e um "cidadão de bem" que fica trancado no trânsito e não consegue chegar em casa.  

Essa é a imagem perfeita da democracia, na minha modestíssima opiniao. Os extremos têm todo o direito de se manifestar, mostrar seus (estúpidos) pontos de vistas e reivindicarem o que bem entenderem. De outro lado o cidadão comum, bem comum e nem sempre de bem,  que somente quer tocar a sua vida:  ir pro trabalho, buscar os filhos na escolinha de inglês e chegar rápido ao supermercado. No meio disso tudo, a democracia com porrete,  que, em situações ideais, serve pra todos: pra defender o cidadão "de bem" quando ele nao consegue chegar na escolinha por que teve seu carro roubado e, no caso de hoje, para proteger uma minoria ruidosa que teima em demonstrar a sua admiração por alguma bobagem qualquer.  

Isso me lembra de um filme – provavelmente um dos piores que já assisti* – chamado The Last Supper. Trata-se de um grupo de estudantes de pós-graduação, com a cabeça aberta e ideias progressistas dentro (e fora) dela que, por um acaso, no início, e intencionalmente, logo depois, recebem pessoas para partir o pão. Se as respostas dos convidados não satisfaz os "progressistas" eles têm uma solução: entregam um cálice de vinho envenenado ao convidado.  Assim, pensam eles, melhoram o mundo. 

A cada pessoa - contra o aborto ou contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo - morta, melhor fica o mundo. Mais perto do paraíso estaremos. Os diálogos deixam claro apenas uma coisa: aqueles estudantes creem que seus atos, já que se trata de pessoas que acreditam nas coisas erradas, estão legitimidados por um fim maior, por um bem supremo, pela consecução  do objetivo de qualquer sociedade: a felicidade, na estreita visão deles, geral. No final do filme, depois de muitos „reacionários“ e „republicanos“ mortos, um político daquilo que eles consideram a extrema direita da extrema direita é convidado e aceita: durante o jantar o sujeito diz que aquilo tudo, isto é, a sua defesa intransigente de idéias reacionárias e ultra-conservadoras, não passa de mise en scéne; que tudo é apenas retórica eleitoral e aqueles que detêm mesmo o poder estão no centro deste debate, nunca nos seus flancos, quer à direita, quer à esquerda.  Para espanto daqueles jovens que se julgavam superiores intelectual e moralmente a todos, diz: "Just a moron to believe that I really mean or endorse those ideas...". 

O final do filme (spoiler alert) é absurdo de tão ruim. Os estudantes progressistas não chegam a um acordo se devem matar o sujeito, dando-lhe o vinho envenenado ou se devem ir votar nele imediatamente. Eles saem para discutir essa importante questão e, antes de voltarem, o filme acaba... Uma pintura aparece com cinco pessoas deitadas ao redor de uma mesa e, em off, a voz do político dando mais um de seus discursos inflamados sobre a superioridade moral dos valores conservadores.  

Porque falar desse filme? Acredito que o vídeo da Spiegel traz exatamente isso: enquanto o pessoal da cabeça raspada reivindica a revisão da história, a superioridade racial, a expulsão das minorias, a extradição forçada de estrangeiros ou o que quer que seja em uma das pontas do debate político, do outro lado há uma esquerda não menos barulhenta reivindicando a instalação imediata do leninismo-trotskismo, do comunismo, do socialismo real, do maoísmo, polpotismo ou de qualquer destas vertentes. E o poder?! Bem, o poder está com esse cidadão que apenas quer cruzar a rua...  

* Uma das estrelas do filme é (uma jovem!) Cameron Diaz. Tá explicada a razão de eu ter visto o filme.  

** O que faz aquela cesta com tomates no início do texto, Pedrinho? Vejam o filme

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