sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

3 histórias


Já faz algum tempo que não escrevo. A tese tem tomado tempo demais. E a vida tem me consumido energia demais para gastar o que me sobra escrevendo para ninguém ler. Hoje, no entanto, resolvi ressuscitar alguns textos que eu havia começado e, para variar, nunca terminado.
Algumas coisas têm me incomodado, outras me dado tranquilidade para continuar aqui. Tais coisas são, no momento, irrelevantes e eu não escreverei sobre elas. Os mais próximos sabem o que e quem são cada uma delas.
Começo com um texto que eu escrevi há vários meses, logo após aquele sujeito descontrolado ter atropelado vários bicicleteiros do Massa Crítica em Porto Alegre.

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Com o fim do inverno, o derretimento da neve e o fim do vento cortante, retirei a minha bicicleta do porão e comecei a pedalar para os lugares que eu preciso ir. Saio de casa cedinho, venho para o Instituto e em 20 minutos estou sentado na minha mesa, esbaforido e ofegante, pronto para começar o dia. 

Tudo muito bem. Tudo muito bom. 

Há algumas semanas um sociopata atropelou várias pessoas que faziam um protesto pacífico em Porto Alegre pelo uso de mais bicicletas no trânsito. Tema mais do que necessário, ainda mais em uma cidade onde o trânsito na hora do rush tranca e não se chega a lugar algum. Lembro de ter que transitar pela BR101 para ir e voltar do trabalho. Um horror. O planejamento é precário, as condições péssimas, o controle pífio... Enfim, todos sabem a realidade do trânsito nas grandes cidades brasileiras. 

Depois desse atropelamento muito se comentou sobre o uso de bicicletas como alternativa aos automóveis. Todos os discursos foram apologéticos, conclamando a todos que abandonassem os carros e começassem a pedalar de lá pra cá. Todos têm meu total apoio. Não poderia concordar mais. 
Ontem à noite, contudo, tive um pequeno transtorno e fiquei aqui a imaginar o que aconteceria se eu  estivesse no Brasil. 
Como sempre, e ontem não foi diferente, vim de manha cedo para o Instituto. À noite, ali perto das 20 horas, já escuro, resolvi encerrar o dia e voltar pra casa. Qual não foi a minha surpresa quando percebo que estava chovendo. 
As regras aqui permitem, em algumas situações, que se carregue a bicicleta dentro dos ônibus e bondes (trams). Peguei a minha magrela e entrei no tram. Junto comigo estavam outras pessoas e suas respectivas bicicletas. 
Fiquei pensando o que ocorreria no Brasil. Poderia eu entrar com a minha bicicleta no ônibus? E como eu faria para passar pela roleta? E no Trensurb, como eu passaria pela catraca? E os outros passageiros que se amontoam pelos corredores, abririam lugar para a minha magrela?
Cheguei na estação e percebi que seria impossível pedalar até em casa. Resolvi deixar a bicicleta ali mesmo. Coloquei o cadeado, com a certeza de que a minha bicicleta estaria no mesmo local, nas mesmas condições, no dia seguinte.
Não posso deixar de me perguntar se o mesmo ocorreria no Brasil. Sendo bem realista, como a minha bicicleta é uma porcaria, tenho quase certeza de que ninguém ia roubar ela. Mas, sendo ela melhorzinha, não é crível supor que ela seria roubada? Ou algumas de suas partes arrancadas e/ou desmontadas? Eu, sendo realista, acredito que sim. 
Enfim, escrevo apenas para mostrar que trocar o automóvel pela bicicleta é algo que deve ser estimulado, incentivado e comemorado. Mas não é tão simples, como querem fazer crer os meus amigos no Facebook...

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Esse foi o primeiro texto que eu escrevi e não publiquei. Relendo, acredito que ele mereceria mesmo é a lixeira ou o esquecimento. Com a quantidade de acessos do blog, publica-lo aqui é a realização disso...
O segundo texto diz com as diferenças culturais entre pessoas em posição hierárquica superior. Segue:

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Hoje chego em casa tendo tido uma experiência bastante distinta. Aliás, distinta até demais.

Fui obrigado a participar de um Seminário sobre Justiça Constitucional em Karlsruhe, cidade onde ficam os principais tribunais superiores da Alemanha. Sim, leitor, você imaginou corretamente: os tribunais superiores não ficam na mesma cidade do Parlamento e da sede do Poder Executivo. Ficam, para falar bem a verdade, quase que do outro lado do país. Bom ou ruim, isso não cabe a mim decidir. Apenas é assim, num reforço ao federalismo alemão.


Continuando: uma das atividades do Seminário era um tour guiado pelos principais pontos histórico-jurídicos da cidade. O guia: um juiz do Bundesgerichtshof. O Bundesgerichtshof é o equivalente ao nosso Superior Tribunal de Justiça. Agora imagine o querido leitor: um ministro do Tribunal Superior pega seu sábado à tarde para passear pelas ruas da cidade, mostrando prédios, ruas, estátuas, pedras e esquinas ao grupo de estudantes desconhecidos.
Como diziam os comerciais do 011-1406, mas espere, isso não é tudo: no meio do tour, começou a chover. O ministro ali, puxou um boné da sacola e continuou falando sobre Bismarck tomando água na cabeça. Alguém ofereceu o guarda-chuva, prontamente recusado: „Se eu não trouxe o meu, não devo usar o seu“, disse o simpático ministro.
Continuamos o tour, com uma pequena trégua da chuva e chegamos ao seu final, uma esquina onde ficava o Bundesgerichtshof. Ele explicou como era o trabalho dele, quantos processos ele julgava e assim por diante. Ao final, após as palmas e agradecimentos, um dos organizadores começou a agradecer em nome do grupo e fez menção de entregar uma garrafa de vinho alemão (que havia sido comprada na noite anterior pela bagatela de €11,90). O Ministro, visivelmente constrangido, disse: „Vocês já deveriam saber que eu não posso aceitar esse presente. Fiz isso porque acredito na formação das novas gerações. Como funcionário público, não posso aceitar pagamento por algo que julgo ser parte da minha função.“
Dessa vez eu puxei o aplauso e fui o último a parar de bater palmas. Não estava acreditando naquilo. Primeiro, um ministro que pega seu tempo para andar na chuva com estudantes e, depois, recusa uma garrada de vinho porcaria por ser funcionário público. Se havia moralidade administrativa, aquilo era o exemplo (devo dizer que um outro assessor do Tribunal Constitucional já havia recusado o mesmo presente no dia anterior, com o mesmo fundamento).
Quando coloquei a cabeça no travesseiro, um pensamento me veio de assalto: meu melhor companheiro nos tempos da faculdade era motorista do Tribunal de Justiça. Isso mesmo, ele era motorista de um desembargador. Se esse tipo de regalia existe até para os desembargadores, imaginemos o que têm os Ministros lá em Brasília.  Mas, enfim, talvez as realidades sejam diferentes e tais regalias sejam merecidas. Mas não deixa de ser salutar que um agente público, independentemente de sua graduação na escala estatal, recuse uma garrafa de vinho com base na moralidade.

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Esse foi o segundo. Sempre que o leio, ou relembro da história, fico um pouco feliz de ter escolhido a Alemanha para estudar e um pouco triste com a realidade brasileira. Eines tages, como costumo dizer aos meus amigos brasileiros que falam alemão.
O terceiro texto, que reproduzo mesmo que não esteja finalizado, diz com uma história que me aconteceu na última vinda pra cá.

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Subi no voo POA-GIG já de saco cheio. Afinal, é muito melhor passar os dias com quem se ama do que passa-los na frente de um computador escrevendo um trabalho que não será lido por muita gente.

Depois de tudo certo com o voo, as comissárias (ainda é feio chamá-las de aeromoças?) começaram a servir aquele sanduíche de micro ondas que oferecem com guaraná nos voos curtos.

Umas das passageiras, infelizmente a que esteva sentada na minha frente, começou a gritar (não é exagero meu!) que estava nauseada por causa do cheiro do presunto e que as comissárias deveriam parar de servir aquilo para que ela não vomitasse. Uma delas, com um sorriso, perguntou: „Minha senhora, nos temos quase 150 pessoas nesse voo. A senhora quer que todos fiquem sem comer?“.

A passageira – gaúcha – nem piscou e lascou: „não quero nem saber. Tô passando mal... Tira esse negócio da minha frente. Ninguém precisa comer isso... Parem de servir essa coisa horrorosa!!“
Outras duas comissárias (aeromoças?) se aproximaram e tentaram convencer a primadonna do sanduíche. Nada feito. Uma senhora ao lado dela, deu de ombros, abriu seu sanduíche e com, no máximo, 5 mordidas ele desapareceu. Do outro lado, um sujeito tentava acalmar ela com argumentos médicos sobre a comida e as náuseas. E eu ali, atrás dela, pensando se o egoísmo poderia ser considerado um tipo penal. De lege ferenda, sugiro que sim. 

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Como vocês [sim, sou otimista que tenho mais de um(a) leitor(a)] nada de muito especial que realmente merecesse ser publicado. 

Isso me faz lembrar de uma boutade do poeta inglês Alexander Pope (séc. XVIII) que dizia que ele merecia ser criticado pelo que ele escrevia e ovacionado pelo que jogava fora...