quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A Manteiga que falava Javanês


Lembram disso aqui
Pois é... 


O vídeo abaixo informa que a artista (coloquem quantos 'sic' forem possíveis) é natural da Indonésia, mas passa seus dias, assim como eu, na Alemanha, mais especificamente em Braunschweig (*). 



Quando é que a juventude intelectual e descolada vai entender que nem tudo (melhor: nem qualquer coisa) é arte? As palmas ao final, com aquele entusiasmo todo, indicam que não será logo.


Reparem no jovem que tira fotos freneticamente com seu smartphone. Fico cá me perguntando para que registrar com tanto afinco isso. Ele pretende mostrar pra alguém? Se sim, essa pessoa também vai achar "genial, inovador, contestador" uma mulher de meia idade dançando - ou tentando dançar - em cima da manteiga? E se a pessoa não ver nada artístico em uma mulher acima do peso escorregando na gordura, o que fazer com as fotos? (minha  modesta sugestão)


Se há algo de contestador no vídeo, é ver uma asiática acima de peso. Isso deveria ser a "obra de arte". Elaboro um texto rápido a ser lido (de preferência em javanês) enquanto se dança sobre os cubos de gordura: 
"Vejam, ocidentais, como o ocidente engorda!
Abaixo a exploracão capitalista das vacas leiteiras! 
Abaixo a manteiga imperialista ocidental!"
Havendo texto, o rapaz das fotos poderia filmar com a câmera 45 TeraPixel do seu iPhone 5S GTi Ultra MaxBlaster. E depois mostrar para os seus amigos, tao descolados e antenados quanto ele. E todos podem, ao fim, concordar: não fosse a margarina imperialista, todos os asiáticos estariam com o peso ideal. 


Seria o caso, se fossemos levar a sério essa patacoada reluzente, de questionar se, em seu país de origem, de maioria muçulmana, uma mulher gordinha de meia idade poderia dançar na manteiga mostrando tanta pele. Melhor: se uma mulher poderia dançar na manteiga, mesmo que coberta. Ainda melhor: se uma mulher poderia dançar. Ponto.  


Ou, em outra aproximacão, de questionar se, num país com riquezas naturais quase intermináveis, como é a Indonésia, o populacho miserável não poderia fazer bom uso de 20 barras de manteiga. A resposta todos conhecemos: o povo precisa se alimentar de cultura, nem que seja passando fome de comida. E ela, para citar Brecht (e parecer inteligente), continua comendo e bebendo. 


Não faz arte, minha filha!, gritaria a minha querida mãe. Eu grito, por escrito e virtualmente: não assistam a isso, alemães! Isso não os torna mais legais, cultos, descolados ou contestadores. Apenas os torna testemunhas do desperdício de comida. E de tempo. Mas, principalmente, torna-os cúmplices na destruicão do conceito de arte. 


De nada adiantam meus gritinhos virtuais, obviamente. Em uma sociedade onde a alta cultura - aqui inclui-se, obviamente, a boa arte contemporânea - é estigmatizada como elitista e preconceituosa, dançar na manteiga parece ser o melhor que se oferece aos jovens de boa cabeça. Doente do pé, como se nota, só a artista. 
Eu, como todos podem supor, já fui acusado de elitista e preconceituoso quando afirmei que isso não é culturalmente equivalente a isso, apesar de pertencerem à mesma geracao e cultura (o número de vezes que cada um dos vídeos foi assistido indica que eu estou inapelavelmente equivocado), ou que isso é muito distinto disso, apesar do alcance popular de um e de outro. 


(*) Ironia das ironias, em Braunschweig há um museu que conta, vejam vocês, com arte de verdade. A menina com cálice de vinho, de Veermer, século XVII. Pintou pouco ele, mas sempre sem manteiga. E fez Arte, com um gigantesco "a". Para quem gosta de história da Arte deve ser um prato cheio sair de um museu com Veermer e ir ver a gorducha escorregar na manteiga. 


Reparem que Vermeer preferiu laranjas à manteiga nesta pintura

Cantinho do Brasil-il-il: Há uns tempos, discutindo isso com um amigo doutorando por aqui, ele me contou que, quando era adolescente, uma instituição abriu um concurso cultural para selecionar as melhores "obras de arte". Um amigo e ele, sem nada melhor pra fazer, tiraram fotos de uma batata que a mãe de um deles havia deixado cozinhando. Sem nenhuma ideia melhor, disseram que a fotografia representava "a fome do povo paraense". Foram selecionados. Ah!, claro, tudo com dinheiro público.