quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Multicultural, pero no mucho

Acredito que existem valores que não podem ser relativizados. Algumas coisas fazem parte da natureza humana e, a partir disso, qualquer limitação cultural e/ou religiosa nesse âmbito passa a ser indevida. Igualdade entre homens e mulheres, por exemplo. Liberdade de expressão. Liberdade de credo... entre tantas outras liberdades. Ah! claro, liberdade amorosa.
Ontem durante a janta entabulei conversa com um médico líbio que mora em Dubai, extremamente simpático. A Temporada Alemã dele é para um aprofundamento em cururgia do cérebro e, pelo que ele narra, deve durar pelo menos o dobro da minha. Conversa vai conversa vem, disse-me ele que pensava em se casar no ano que vem. "Com quem?" foi a primeira coisa que me veio a cabeça e o que, de fato, perguntei. "Ainda não sei. Vou ligar para a minha mãe essa semana", respondeu ele. Ele percebeu meu espanto com a resposta que eu julgava desconexa a me "acalmou" dizendo que ele avisaria a mãe dele que estava com vontade de se casar, afinal já estava na casa dos 30, e que ela buscasse uma esposa para ele. De preferência entre as primas. "Primas?!" "Mas não as muito próximas", fez questão de frisar. Minha cara de espanto continuava. A minha única reação foi baixar a cabeça e dar mais uma mordida no sanduíche. Ele, como que percebendo meu desconforto, perguntou: "Algum problema?!"
Como acredito no respeito pela cultura e tradição alheias, deixei barato e não retruquei. Disse apenas que, na maioria dos casos, as mães conhecem bem os filhos e, em tese, poderiam escolher boas esposas. Vejam que isso já é muito para um sujeito que preza a liberdade individual como eu. O problema é que ele não satisfeito começou a me dar uma lição sobre a supervalorização do amor nas relações interpessoais. "O convívio resolve tudo", dizia com ar meditabundo. "Eu não preciso conhecer a minha mulher por anos, para ter um bom convívio", dizia, já um pouco alterado. Que ela fosse uma boa esposa e boa mãe já bastava, sinalizava o médico. Nada mais importava. Com o tempo e com o convívio, ele aprenderia a amar a mulher escolhida.
Mustafá, agora eu pergunto: e se o convívio for inviável? Como faz? Se a escolhida (pela mãe!) for uma histérica/deprimida/furiosa/ninfomaníaca (marcar o preferido)? E se ela não gostar da minha barba e exigir que eu a tire? E se ela não aceitar que eu more longe? E se ela quiser duas meninas e eu dois meninos? E se... O amor é supervalorizado? Não sei. Que ele é a base de (quase) todos os relacionamentos no mundo ocidental é inegável. O convívio resolve tudo? Pode resolver muita coisa, acredito. Mas nunca vai se transformar em amor. Posso aprender a amar alguém? Acredito que sim. Amizades estão aí para provar o argumento. Mas nada como aquele sentimento de ter encontrado a pessoa que te faz levitar e perder a noção de tempo/espaço. Aquela pessoa que te faz acreditar em deus, só para poder acreditar em anjos. Aquela que te faria pronunciar as palavras do Dr. Fausto...
Tenho absoluta certeza de que minha mãe ou meu pai poderiam escolher uma boa esposa para mim. Até hoje eles sempre me deram conselhos valiosíssimos nessa seara e, melhor de tudo, nunca erraram ou erraram pouco. O problema não é esse! O ponto central é que quem sabe (ou deveria saber) o que é melhor para mim sou eu. Infelizmente é assim. A liberdade de escolha implica resposabilidade pessoal. A mera possibilidade de transferência de responsabilidade abre as portas para o conflito com a pessoa que tomou a decisão no meu lugar.
Consigo imaginar uma briga, daquelas bem bobas, sobre quem deverá buscar o guri depois da aula de inglês, com o sujeito ligando para a mãe e dizendo que ela escolheu a pessoa errada. Como assim?! Se eu vou ter que conviver com a pessoa pelos próximos 50 anos, nada mais razoável e sensato do que eu mesmo escolher. E qual o papel da mulher escolhida nessa "escolha da mãe"? Isso já é bem mais complicado e merece um post em apartado.


Mustafá, só mais uma: e se ela for feia?!

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