terça-feira, 8 de junho de 2010

Review

A história é antiga. Nem por isso deixa de ser tragicômica. Faco um resumo dos fatos:

Uma professora de uma conhecida Universidade israelense publicou um livro sobre os procedimentos do Tribunal Penal Internacional. A editora que havia publicado o livro enviou a obra para uma importante Revista de Direito Internacional. O Editor da revista selecionou entre os revisores cadastrados e enviou o livro a um professor alemão, reconhecido especialista na área.  

Depois de algumas semanas recebeu uma review do livro. A review não era nem um pouco elogiosa. Tecia, em pouquíssimas linhas, uma crítica dura sobre o livro, o conteúdo, a abordagem e, por fim, a editoração do livro. Tudo normal, tudo bem.  

Até que a autora do livro, professora já antiga, tomasse conhecimento da crítica.

Enviou carta enfurecida ao editor da publicação, exigindo que a review fosse imediatamente retirada do site da Revista e de quaisquer outros sites administrados pelo Editor. Afirmava que a review era desrespeitosa, não condizia com o conteúdo do livro, beirava a má-fé e a mentira e, ainda, prejudicava a sua reputação acadêmica. Agora o principal: fazia uma ameaça velada ao Editor, afirmando que a liberdade de expressão na Franca não era tao ampla como a garantida pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA (onde está o servidor que hospedou o site onde foi publicada a crítica).  

O Editor, em longa carta, respondeu a Autora, afirmando que não via razoes suficientes para retirar a review do site, e que – mesmo que não concordasse com o conteúdo da crítica – acreditava que essas reviews eram de suma importância para o mundo acadêmico e para o pleno desenvolvimento da ciência do direito.  

A professora israelense, não satisfeita, enviou nova carta ao Editor pedindo, desta vez, que a review fosse "temporariamente" retirada do site, até que tudo fosse esclarecido. O Editor, novamente em carta, sugeriu que a Autora postasse um comentário – o que era tecnicamente viável – no site, abaixo da crítica que, após moderação feita pelos editores, seria publicada. Cínica e ironicamente, sugeriu parcimônia da Autora na formulação do comentário. Ato contínuo, o editor pediu aos leitores que enviassem outras reviews tão ou mais críticas, para que ele pudesse, então, demonstrar que ela estava exagerando.  

Tudo bem, tudo bom. Até que o Editor foi intimado a comparecer a um Tribunal francês para responder pelo crime de injúria. A Autora se sentiu tao ofendida que, ato extremo, denunciou o Editor perante uma autoridade judicial francesa. A primeira audiência – uma mera formalidade processual – já ocorreu e a audiência „de verdade“ ocorrerá no dia 25 próximo.  

Como os meus dois leitores (oi, mãe! Oi, pai!) sabem, a professora israelense está errada. Absurdamente errada. Fez (e faz – até quando decidir levar adiante essa patacoada) papel ridículo, seja no mundo jurídico, seja no mundo acadêmico.  

Ora, em áreas nas quais as idéias não podem ser "cientificamente" comprovadas, como é o caso do direito, a troca e, principalmente e antes de tudo, a críticas das idéias é o motor que move o mundo. Pessoas sensíveis devem, agora mais do que nunca, ficar de fora desse mundinho mesquinho e pequeno. As que desejarem participar devem endurecer o casco. Apanhar – no sentido figurado, obviamente – faz parte e deve ser o objetivo de todo e qualquer acadêmico. Antes de ser uma ofensa é um elogio e a razão é claríssima: o revisor tomou seu tempo (sempre escasso) e leu o trabalho. Se achou uma merda, bom, aí o problema é dele. Mas, antes disso, é preciso lembrar que ele parou, sentou, leu, leu, leu, pensou novamente e, só então, sentou e escreveu que o trabalho era ruim, péssimo ou muito péssimo.  

Como disse, dou razão ao editor. Mas não deixo de ter certa simpatia com a professora israelense (mesmo achando o que ela fez uma besteira!) O problema, me parece, é que em um mundinho onde a pessoa passa anos, décadas, se dedicando a um assunto apenas, renunciando ao mundo que continua a girar, para escrever uma calhamaço de 500, 600, 1000 páginas, para depois ser chamada de burra, ignorante, desconhecedora, superficial etc, dói; e dói muito. Nem tanto pelo conteúdo do trabalho, mas por ver que todo aquele tempo gasto dentro de uma biblioteca nem sequer deu resultado... Pelo menos não a um dos resultados possíveis: o reconhecimento pelos pares. A frustração, neste caso aliada à uma sensibilidade exagerada, pode causar horrores como esse: uma mulher crescida se sentir ofendida – e levar isso até as últimas consequências – porque um outro professor disse que as idéias eram velhas e superficiais.  

Sorte que, ao contrário deles, eu gasto os meus dias aproveitando a vida e não enfurnado numa biblioteca qualquer....