terça-feira, 3 de março de 2009

Brizola tinha razão?

O Brasil se orgulha de ter o "mais moderno sistema de votação e apuração de votos do mundo". Como é de praxe no atual discurso político, poder-se-ia dizer que 'nunca antes na história deste país' se usou tecnologia tão avançada. Os expertos brasileiros afirmam que isso auxilia no desenvolvimento e fortalecimento da democracia. Os juizes alemães teimam em discordar... Por aqui as coisas são um pouco diferentes. Hoje mesmo o Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) decidiu que a instalação de urnas eletrônicas é inconstitucional. Segundo o Tribunal, o princípio da "publicidade das votações define que todos os passos da votação devem ser publicamente controláveis". Ainda, que numa eventual " introdução de urnas eletrônicas os principais passos da eleição e da apuração devem ser confiáveis e controláveis pelos cidadãos, sem conhecimentos técnicos ". O jornal semanal Die Zeit afirma, em sua versão eletrônica, que a decisão é uma vitória para a democracia. Isso me faz lembrar das críticas ao sistema eletrônico, então ainda incipiente no Brasil, feitas por Leonel Brizola que afirmava que isso levantava a possibilidade de fraudes, com a consequente impossibilidade de recontagem manual dos votos, controladas por membros dos partidos interessados e funcionários do TRE/TSE e mesários. Nunca tinha parado para pensar nisso. Lembro de ter uma imagem vaga daquele senhor e seus maneirismos, brandindo contra o "sistema" e os "interésses", também no que se relacionava ao sistema eletrônico de eleições. Na parte jurídica, pode-se concordar com o argumento do Tribunal e, por incrível que pareça, com o falecido Brizola. Se o princípio democrático implica participação nas eleições, essa participação se dá quer como eleitor, quer como controlador dos resultados. Como frisou o Tribunal, o controle não deve necessitar de conhecimentos técnicos. Para boa parte da população brasileira a tecla "enter" ainda é matéria técnica e complexa. Imagine-se um ribeirinho no Amazonas que desconhece o maravilhoso mundo da internet e resolva questionar o resultado daquele pleito cujo resultado foi enviado "via satélite" para os computadores do TSE em Brasília. Vê-se que algum conhecimento é, no mínimo, necessário. Além disso, é claro, a suspeita também levantada de que com o sistema eletrônico é possível, mesmo que muito difícil, rastrear o voto ao seu eleitor. Coisa que vai contra o "sufrágio secreto" garantido no texto constitucional e que com a cédulas de papel se torna virtualmente impossível. O Tribunal abre a possibilidade de instituição do sistema eletrônica caso haja outros princípios constitucionais que o justifiquem. No Brasil o argumento principal é a "eficiência e a celeridade" da votação eletrônica. Quem sabe um dia também os alemães não se tornem adeptos dessa fobia contra a perda de tempo. Veja-se, também, que uma das bases da decisão é o art. 20 que define que "a república federal da Alemanha é um estado democrático e social". Vago. Sim, mas com valor argumentativo poderoso. E a argumentação do Tribunal é forte e, acima de tudo, acertada. Fica a questão: a Constituição brasileira tem dispositivo semelhante. Poderiam os nossos ministros decidir da mesma forma? Como já temos eleições eletrônicas há anos, a repsosta é: poderiam, mas não o fizeram. A razão? Quem sabe a vontade de modernizar o que não necessariamente precisa ser modernizado (note-se que esteve em teste na última eleição a leitura biométrica dos eleitores). Posso ser acusado de luddista, primitivista e quejandos. Seria uma notória contradição possuir um blog, além do que eu adoro a Apple e o Google. Mas, claro, gosto ainda mais de segurança e de respeito aos direitos fundamentais e aos mandamentos constitucionais. Particularmente eu prefiria as cédulas em papel. Por três motivos principais: primeiro, permitem que a votação seja controlada mais eficientemente a posteriori; segundo, dava um certo gosto aquele suspense que durava dias após as eleições até o resultado final e, last but not least, dava para ser engraçadinho nas cédulas e, desenhando mais um quadradinho abaixo dos candidatos a presidente, votar infantilmente em Chuck Norris para Presidente do Brasil-il-il... Leonel Brizola tinha razão? Os juízes alemães dizem que sim...
* A decisão do Tribunal pode ser lida aqui.

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