"É mal que vem de trás, dos tempos do Brasil colônia. Portugal, ao tomar posse da terra nova, cuidou de uma coisa só: o Fisco. A colônia existia para o Fisco. A Fazenda Real era tudo e os interesses do povo eram nada. E o Fisco se organizou atendendo unicamente às suas conveniências. O Fisco organizou-se cá muito a cômodo, sem respeitar coisa nenhuma além do seu interesse - pessimamente entendido, aliás. Veio depois a Independência, a Monarquia, a República, e em todas estas mudanças se mexeu em tudo, menos no Fisco... E o país que se desiluda. Não haverá progresso possível enquanto não houver mudança na mentalidade a este respeito.”
Acima
vai a transcrição de um parágrafo do livro Mr.
Slang e o Brasil, de Monteiro Lobato. Mais conhecido por ser o criador do
Sítio do Picapau Amarelo, o escritor foi um importante crítico social no início
do século passado. Mr. Slang e o Brasil,
publicado em 1927, traz as opiniões de um inglês que, vivendo no Rio de
Janeiro, passa a vida a analisar as mazelas que atingem nosso país. Dotado de
grande espírito crítico, Monteiro Lobato traça um importante panorama da
realidade tributária brasileira da época, focando sua crítica na elevada carga
tributária e na burocracia impostas aos cidadãos brasileiros.
Qualquer
semelhança com a realidade atual não é mera coincidência. Ano após ano, Receita
Federal e Estadual anunciam novos recordes de arrecadação, numa sistemática que
faz com que o contribuinte trabalhe mais de quatro meses apenas para o
pagamento de tributos. Isso sem contar a monstruosa quantidade de contadores,
advogados, consultores e auditores necessários para se manter atualizado nas
constantes mudanças da legislação ou para manter uma escrituração fiscal
correta. Essa interminável burocracia consome tempo e recursos preciosos, que
poderiam ser efetivamente utilizados para aumentar a produção das empresas,
gerando mais empregos e melhorando a renda dos trabalhadores.
Tais fatos
demonstram que, acima de tudo e de todos, está o interesse do Estado em
arrecadar cada vez mais. Direitos e garantias presentes na Constituição e nas
leis são, muitas vezes, abertamente violados apenas para não gerar “um rombo no
orçamento”.
Com o
início de mais um ano, é nosso dever como cidadãos sugerir e cobrar de nossos
governantes uma reforma tributária que otimize a utilização dos recursos
públicos, torne mais eficiente e menos burocrática a administração tributária,
traga mais racionalidade à sistemática fiscal e, acima de tudo, seja mais justa
na distribuição da carga tributária sobre os contribuintes.
Em outras palavras:
precisamos de uma mudança de mentalidade, com uma reforma que não busque bater
recordes de arrecadação, mas que possibilite o equilíbrio entre as reais
necessidades financeiras do Estado e os direitos e liberdades dos contribuintes.
Usando as palavras do próprio Monteiro Lobato, escritas há mais de oitenta anos
e inteiramente válidas ainda hoje:
"Com o regime de impostos que tem, com os vícios burocráticos que alimenta, ainda é muito que o Brasil faça o que faz."