Alguns
poucos amigos sabem que eu estou traduzindo um livro do alemão para o
português. Alguns outros amigos sabem qual livro é. Para os que
não sabem, não se preocupem, não é nenhum best-seller. Mas o importante deste post não
é a tradução em si, mas a dificuldade em encontrar palavras. Sim, palavras.
Um relato
pessoal: há uns tempos minha família e eu fomos fazer uma viagem e, lá pelas
tantas, meus pais (a quem amo incondicionalmente, mesmo depois desse episódio) me convenceram a trocar o ar-condicionado do meu quarto pela
visita a uma "praia paradisíaca". Relutei, relutei, relutei, mas cedi. Que
engano.
Fomos numa
van, sem ar condicionado (aqui há duas versões: a minha é a de que não havia
ar-condicionado; a do meu paizão é de que havia, isso sim, um ar quente
funcionando a milhão bem embaixo do banco dele) em direção ao paraíso terrestre. Lá pelas tantas, minha
amada irmã já estava ficando branca e com pressão baixa em função do calor e eu, com
toda a raiva acumulada do mundo, falei:
"Wittgenstein tem uma frase que diz que 'os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo'. Não há mundos e nem palavras suficientes para descrever o meu arrependimento."
Minha mãe,
que me ama muito, achou aquilo tudo muito engraçado e não conseguia parar de
rir; a motorista da van achou que estávamos rindo dela e fechou a janela. O único calmo era o meu irmão, a pessoa mais sensacional do mundo (também nessas situações). E o
sol, que olhava lá do alto, mandou mais alguns raios para nos castigar.
Lembrei
disso quando estava revisando a tradução. Como
traduzir isso? Não há palavra em português. Mas e se a tal palavra
sequer está dicionarizada em alemão? E como traduzir aquilo? E aquela outra lá? Impossível, melhor explicar.
Aí perco 3, 4 até 5 linhas para explicar uma palavra. E explicar, em si, não é conferir a minha interpretação
ao significado da palavra que, a outro leitor, poderia ser diferente? Como
escreveu Roland Barthes na sua Leçon, o poder da linguagem não é o que ela nos
permite dizer, mas o que ela nos obriga a dizer. Divago.
O que eu
realmente queria escrever era: as dificuldades da tradução em nada se comparam
à saudade que sinto do todos aqueles que eu
amo e que estão longe. Mas para isso me faltam palavras. Dizer tenho saudade é limitado demais.
Ter saudades é viver.
Não sei que vida é a minha
Que hoje só tenho saudades
Passei longe pelo mundo.
Sou o que o mundo seu fez,
Mas guardo na alma da alma
Minha alma de português.
E o português é saudades
Porque só as sente bem
Quem tem aquela palavra
Para dizer que as tem.
Fernando Pessoa, Ter saudades é viver, Poesia do Eu, Assírio&Alvim, 2006