sábado, 24 de março de 2012

Wittgenstein



Alguns poucos amigos sabem que eu estou traduzindo um livro do alemão para o português. Alguns outros amigos sabem qual livro é. Para os que não sabem, não se preocupem, não é nenhum best-seller. Mas o importante deste post não é a tradução em si, mas a dificuldade em encontrar palavras. Sim, palavras.
Um relato pessoal: há uns tempos minha família e eu fomos fazer uma viagem e, lá pelas tantas, meus pais (a quem amo incondicionalmente, mesmo depois desse episódio) me convenceram a trocar o ar-condicionado do meu quarto pela visita a uma "praia paradisíaca". Relutei, relutei, relutei, mas cedi. Que engano. 
Fomos numa van, sem ar condicionado (aqui há duas versões: a minha é a de que não havia ar-condicionado; a do meu paizão é de que havia, isso sim, um ar quente funcionando a milhão bem embaixo do banco dele) em direção ao paraíso terrestre. Lá pelas tantas, minha amada irmã já estava ficando branca e com pressão baixa em função do calor e eu, com toda a raiva acumulada do mundo, falei:
"Wittgenstein tem uma frase que diz que 'os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo'. Não há mundos e nem palavras suficientes para descrever o meu arrependimento."
Minha mãe, que me ama muito, achou aquilo tudo muito engraçado e não conseguia parar de rir; a motorista da van achou que estávamos rindo dela e fechou a janela. O único calmo era o meu irmão, a pessoa mais sensacional do mundo (também nessas situações). E o sol, que olhava lá do alto, mandou mais alguns raios para nos castigar. 
Lembrei disso quando estava revisando a tradução. Como  traduzir isso? Não há palavra em português. Mas e se a tal palavra sequer está dicionarizada em alemão? E como traduzir aquilo? E aquela outra lá? Impossível, melhor explicar. 
Aí perco 3, 4 até 5 linhas para explicar uma palavra. E explicar, em si, não é conferir a minha interpretação ao significado da palavra que, a outro leitor, poderia ser diferente? Como escreveu Roland Barthes na sua Leçon, o poder da linguagem não é o que ela nos permite dizer, mas o que ela nos obriga a dizer. Divago. 
O que eu realmente queria escrever era: as dificuldades da tradução em nada se comparam à saudade que sinto do todos aqueles que eu amo e que estão longe. Mas para isso me faltam palavras. Dizer tenho saudade é limitado demais. 





Ter saudades é viver.
Não sei que vida é a minha
Que hoje só tenho saudades
De quando saudades tinha. 

Passei longe pelo mundo. 
Sou o que o mundo seu fez,
Mas guardo na alma da alma
Minha alma de português. 

E o português é saudades
Porque só as sente bem
Quem tem aquela palavra
Para dizer que as tem. 

Fernando Pessoa, Ter saudades é viverPoesia do Eu, Assírio&Alvim, 2006