quinta-feira, 12 de março de 2009

Guns don't kill people

Ontem, numa cidadezinha distante 110 quilômetros de Heidelberg, um menino de 17 anos pegou uma arma (dentre as tantas que o pai possuía em casa), algumas balas e, aparentemente sem motivo, matou 15 pessoas. Os jornais mancheteiam o ocorrido com estardalhaço. Logo abaixo pode-se ler as perguntas: quais as razões? Por quê?! Em função do(e) que(m)?! Tudo ainda cercado de mistério. Alguns teóricos vêm aos jornais culpando a mídia (esse ser malvado!), a violência da escola, o bullyism, os jogos de computador, o hip-hop, a desintegração da família, a facilidade de acesso às armas, a vontade de aparecer, etc. A possibilidade menos aventada é a de doença mental. Não entendo as razões de simplesmente não poder se creditar o ato à insanidade mental. O rapaz vinha se tratando desde 2008 para depressão. Era odiado pelos colegas e odiava estar entre eles. Dizia que seu único amor era o seu gato e a sua pistola de ar comprimido. Passava (e tudo indica que era a única coisa que fazia com prazer) horas na frente do computador. Enfim, uma rotina malsã. Como disse, prefiro creditar o ato à doença. Não é possível que alguém em sã consciência possa ser influenciado pelo fatores acima mencionados e, em virtude deles, resolva matar 15 pessoas. (Parêntesis necessário: em um dos jornais é utilizada a palavra Mitmenschen. Isso me chamou a atenção uma vez que o sujeito não matou simplesmente pessoas, mas sim as "compessoas", ou seja, aquelas com as quais ele convivia) Sigamos. Obviamente que eu não tenho a resposta. Acredito, sinceramente, que o rapaz era doente. Isso nos fornece uma explicação e, quero crer, facilita o entendimento que o homem não pode ser condicionado/compelido pelas circunstâncias a realizar atos aberrantes como esse sem uma (grande) dose de alteração na saúde mental. Pelo que foi noticiado até agora, tudo indica que eu estou errado. Até onde se descobriu o rapaz , mesmo não sendo dos mais sociáveis, não dava sinais de que iria cometer uma bizarrice dessas. Um ditado muito utilizado pela NRA (National Rifle Association lá dos EUA) é que guns don't kill people, people kill people. Eu tento e reescrevo: guns don't kill people; sick people with guns kill people. Vai saber...
Update - Artigo de João Pereira Coutinho publicado no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo de 17.03.09 sobre o assunto. Pode-se discordar do autor quanto à solução apontada, mas deve-se necessariamente concordar com a crítica aos supostos especialistas e, em especial, às causas por eles apontadas!
Adeus às armas? João Pereira Coutinho COMEÇA A ser clichê: um estudante entra em escola armado; aponta a arma a colegas e professores; dispara; mata alguns, fere outros; a polícia chega tarde e persegue o criminoso quando o massacre está feito; o criminoso suicida-se porque se sente encurralado. Corre o pano. Nos dias seguintes, entram em cena outros delinquentes: “especialistas” em coisa nenhuma que dissertam sobre os “males da juventude”. Como explicar que jovens aparentemente normais possam cometer semelhantes atrocidades? Os “especialistas”, que visivelmente nunca leram Hannah Arendt sobre a “banalidade do mal”, oferecem conversa nula e conhecida: os jovens têm acesso fácil a armas, e as armas, por definição, são um convite à matança.

Curioso. Os “especialistas” ignoram, ou propositadamente esquecem, que países como a Suíça, onde existe praticamente uma arma em cada casa, têm das mais baixas taxas de criminalidade do mundo. O Japão, onde a proibição é quase total, também. Suprema heresia: será possível que não exista nenhuma relação entre a posse de armas e o número de crimes? E, quando não são as armas, é o resto: uma cultura de violência, promovida pela TV, pelos filmes de Hollywood e pelos jogos de vídeo, que arruina os pobres neurônios das crianças.

Elas veem violência, elas querem violência: uma reação pavloviana e primitiva. Curioso novamente. Os “especialistas” ignoram, ou propositadamente esquecem, que o mundo pré-televisivo era incomparavelmente mais violento do que o mundo pós-televisivo e anestesiado de hoje. Leiam história. Ou perguntem aos vossos bisavós. Feito o diagnóstico, vêm as soluções: proibir as armas; proibir a violência nos filmes, nos jogos e, de preferência, no mundo inteiro; espalhar exércitos de psicólogos nas escolas, dispostos a acompanhar e a vigiar a saúde mental das crianças. Ao mínimo sinal de alarme, internamento com elas!

Aconteceu novamente: não nos Estados Unidos, essa pátria de imoralidade sem fim. Mas na Alemanha, país europeu com legislação rigorosa sobre a compra e posse de armas. Um jovem criminoso, Tim Kretschmer, entrou na escola e foi matando. Saldo: 15 mortos. Minto: 16. Tim foi o último da contagem, por suas próprias mãos. Nas horas posteriores, todos os clichês sobre “massacres escolares” voltaram a ser ouvidos: as armas; o cinema; os jogos; o Mickey.

Longe de mim perturbar a sabedoria dos “especialistas”. Mas posso contar uma história nunca contada que o jornalista Phil Valentine relembrou recentemente em obra sobre o assunto? Era uma vez nos Estados Unidos. Mais propriamente em Pearl, cidade do Mississippi, corria 1997. Um jovem de 16 anos, Luke Woodham, entrou na escola local com uma arma. Matou dois estudantes, feriu sete. Posso contar outra história?

Era uma vez nos Estados Unidos. Mais propriamente em Edinboro, cidade da Pensilvânia, corria 1998. Um jovem de 14 anos, Andrew Jerome Wurst, entrou na escola local com uma arma. Matou um professor e feriu mais três pessoas. Não quero abusar. Mas posso contar mais uma? Era uma vez no mesmo país. Mais propriamente em universidade da Virginia, corria 2002. Um antigo estudante de 43 anos, Peter Odighizuwa, entrou na faculdade com uma arma. Matou três pessoas e feriu outras três.

E vocês sabem por que motivo esses episódios nunca foram narrados na mídia tradicional com a intensidade dedicada à infame escola de Columbine? Porque eles tiveram final “feliz”. Ou infeliz, dependendo da perspectiva: apesar dos mortos envolvidos, os massacres poderiam ter sido incomparavelmente maiores. Não foram. E não foram porque os criminosos acabaram sendo imobilizados a tempo por pessoas com armas: funcionários ou professores.

A moral dessas histórias não é simpática. Mas quem disse que o mundo era simpático? Jovens alienados continuarão a entrar nas escolas de todo o mundo, dispostos a cometer o impensável e a horrorizar as nossas sociedades. Essa fatalidade não se explica pelas armas, pelos filmes, pelos jogos; mas, repito, porque existem jovens alienados dispostos a cometer o impensável e a horrorizar as nossas sociedades.

A única forma de proteger as escolas não está em desarmá-las perante um agressor desse tipo. Está em permitir que exista em cada uma delas alguém -um professor, um funcionário, um diretor, na impossibilidade de um policial permanente- que possa parar uma arma com outra arma. O resto são filosofias românticas e vagas: filosofias que servem de pouco quando o criminoso tem um revólver, e os inocentes, não.

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